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Literatura reportou "doenças"
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
O sadismo e o masoquismo
têm em comum uma curiosa
particularidade: são "doenças" que não foram denominadas a partir de médicos que
as identificaram, mas sim a
partir de escritores que criaram personagens portadores
de seus respectivos sintomas.
A observação partiu em 1967
do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995). Outra constatação: essas duas formas de
relacionamento, ao serem repertoriadas pela porta da literatura -e não da medicina-,
têm uma estreita ligação com a
linguagem.
Com Leopold von Sacher-Masoch (1835-1895), o
personagem autobiografado só
se expõe aos maus-tratos que
lhe produzem um prazer mórbido depois de negociar com a
algoz (uma ex-namorada do
escritor, chamada Fanny von
Pistor) um "contrato" que estipule o conteúdo e os limites
dessa relação perversa.
Assim, o prazer depende de
um sofrimento que deve ser
previamente verbalizado. A vítima do masoquismo recebe
garantias verbais de que sairá
machucado, mas não será, por
exemplo, morto.
A linguagem é também o
princípio sobre o qual se fundamenta a orgia sádica. O marquês de Sade (1740-1814) considera que o "crime" -a imputação de sofrimentos às vítimas escolhidas- só faz sentido se for previamente embasado em razões grosso modo filosóficas, aquelas que fundamentam o discurso libertino.
O crítico Roland Barthes
(1915-1980) vai mais longe: a
orgia em Sade produz tanto
prazer pelos maus-tratos
quanto pela linguagem. É a razão libertina (os argumentos
verbalizados) que distingue os
maus-tratos no sadismo de
uma tortura vulgar.
Digamos, por fim, que não é
a presença (ou a ausência) da
linguagem que banaliza a dimensão psicanaliticamente
perversa ou moralmente condenável do sadismo e do masoquismo, como duas formas de
relação erótica que dependem
do sofrimento.
Os personagens do marquês
de Sade e de Sacher-Masoch fazem parte de um universo dolorosamente real, em nada literário, e é dentro dele que devem ser analisados.
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