São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 2006

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SP deixa filho de presa sem leite materno

Detentas que ainda esperam julgamento são separadas do filho logo após o parto, apesar de a amamentação ser assegurada por lei

Duas mulheres dizem que foram induzidas a tomar injeção para suspender a lactação; centro criado para esse fim tem sobra de vagas

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Presas em cadeias públicas e carceragens de distritos policiais em São Paulo, que ainda esperam julgamento, são separadas de seus filhos logo após o parto e impedidas de amamentar, apesar de o centro hospitalar criado pelo governo para essa finalidade ter, oficialmente, sobra de vagas.
Duas detentas ainda relataram à Folha que chegaram a ser "induzidas" a receber injeções no hospital para interromper a lactação antes de voltarem para a cadeia.
A Constituição Federal e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) asseguram às presas o direito de amamentar seus filhos recém-nascidos. Também determinam ao poder público o dever de criar condições para isso.
O governo criou o CAHMP (Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa), subordinada à Secretaria da Administração Penitenciária, para que presas amamentem seus filhos por quatro meses. Segundo a secretaria, há sobra de vagas no centro, localizado na capital paulista - 66 dos 80 leitos estão ocupados.
Presas de cadeias da Secretaria da Segurança Pública, porém, não estão conseguindo amamentar, segundo a Pastoral Carcerária e a Defensoria Pública -das cerca de 8.200 detentas, 58% estão em cadeias e o restante em presídios.
Para elas, o problema é mais grave em Santo Antônio de Posse (150 km de SP) e em São Bernardo. Em Santo Antônio de Posse, em meio a mais de 60 presas em uma cadeia para 12, Elaine Silva dos Reis, 26, e Marcela Aparecida Godoi Bueno, 23, afirmaram à Folha que, além de não poderem amamentar, receberam três injeções para interromper a produção de leite. Sustentam que foram "convencidas" a tomar as injeções por funcionários da Maternidade de Campinas.
"A gente foi induzida. Diziam que se não topasse, iria sofrer mais", afirmou Elaine. "Eles disseram que o leite iria empedrar, que não ia ter médico, não ia ter escolta", disse Marcela. Acusadas de tráfico de drogas e de associação para o tráfico, respectivamente, Elaine e Marcela não têm antecedentes.
A Pastoral Carcerária encaminhou à Corregedoria Geral de Justiça relatório sobre Santo Antônio de Posse. "Além de causar sofrimento à mãe, gera prejuízo incomensurável ao bebê, que acaba de vir ao mundo e não pode ser punido nem pelos erros de sua genitora nem pelas deficiências do Estado", escreveu o coordenador da Pastoral, padre Valdir Silveira.
O coordenador da assistência jurídica ao preso de Mogi das Cruzes, Elpídio Francisco Ferraz Neto, encaminhou ofício à Maternidade de Campinas . "Se as injeções foram forçadas, é crime de lesão corporal. Se foram consentidas, cabe a discussão ética", disse ele.
Para a coordenadora da Pastoral Carcerária Feminina, Heide Cerneka, a situação das presas grávidas está muito mal resolvida. "Que a Justiça seja feita e essas presas [Elaine e Marcela] consigam ficar os quatro meses com seus filhos." A Pastoral confirmou que o CAHMP não está superlotado.
Em São Bernardo, a Coordenadoria de Assistência ao Preso entrou com oito ações na Vara da Infância em nome dos filhos das presas que estão para nascer. Pedem a realização de pré-natal e a transferência das grávidas para o sistema prisional. O juiz se julgou incompetente para analisar o caso, que agora está no Tribunal de Justiça.
A coordenadoria diz ter conversado com pelo menos duas presas que tiveram o filho e que, contrariando sua vontade, não conseguiram amamentar.


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