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Violência resulta de decadência das instituições, diz professor da USP
ROBERTO MADUREIRA
DA FOLHA RIBEIRÃO
O professor Sérgio Kodato,
coordenador do Observatório
da Violência e Práticas Exemplares da USP de Ribeirão Preto, afirma que, casos como o de
ontem, decorrem da fragilidade
do sistema pedagógico. "Grande parte dos alunos não vê sentido na escola. Para esses, a escola virou um grande clube, um
local para amigos e paquera."
Para ele, a sensação de impunidade nas escolas cria um clima de livre-arbítrio. "[Hoje]
não se reprova nem por freqüência nem por nota. O professor não é avaliado. A escola
não é avaliada. Leia trechos da
entrevista à Folha.
FOLHA - Como o senhor vê o avanço da violência nas escolas públicas?
SÉRGIO KODATO - A violência é
fruto da decadência das instituições, principalmente das escolas públicas. As instituições
são mecanismos civilizatórios
criados para diminuir os conflitos sociais. E quando não cumprem seu papel, vem à tona
uma carga de violência. Pesquisas indicam que um terço dos
alunos não sabe o que faz na escola. Um grupo grande de alunos não vê sentido na escola.
Para esses, a escola virou um
clube, um local para esportes,
amigos e paquera. Têm ainda
aqueles que freqüentam a aula,
mas estão "boiando". Os chamados analfabetos funcionais.
FOLHA - A imagem do professor
também está desgastada?
KODATO - Além da degradação
da infra-estrutura das escolas
públicas, houve também uma
perda da autoridade da figura
do professor e do diretor. Você
pode ver que os alunos confrontam, batem nos professores e não se intimidam.
FOLHA - Existe uma sensação de
impunidade nas escolas?
KODATO - Hoje, mesmo que o
aluno ponha fogo na escola, não
acontece nada. No máximo
uma transferência. Com a progressão continuada, isso piorou. Deixou a escola pública e o
professor completamente sem
mecanismos organizadores.
Não se reprova nem por freqüência nem por nota. O professor não é avaliado. A escola
não é avaliada. Digamos que o
professor entregou os pontos.
A sensação de impunidade cria
um clima de livre-arbítrio, onde se pode tudo.
FOLHA - Qual o principal motivo
dessa violência?
KODATO - Percebemos que hoje
não há só atos de vandalismo.
São atos organizados, planejados, aquilo que na época de movimento estudantil chamávamos de união e organização. A
maior vítima das escolas é o
processo pedagógico. Perdendo ele, boa parte dos alunos se
perde também.
FOLHA - Como a tecnologia pode
ajudar a resolver o problema?
KODATO - Em Serrana, no interior de São Paulo, temos um
modelo de escola, com métodos
modernos e lousas digitalizadas. Resultado: caiu bem a evasão escolar. Mas a escola pública no Brasil ainda funciona base do giz e da lousa.
FOLHA - Como é possível explicar
um caso como o de hoje (ontem)?
KODATO - Não se trata de simples vandalismo. São atitudes
reativas, um grito contra o modelo que os incomoda. Para os
alunos fazerem isso, deve ter tido um histórico de escola ruim,
deteriorada e maltratada. É como uma rebelião, como nas
"boas" épocas da Febem.
FOLHA - Como a escola deve lidar
com alunos problemáticos?
KODATO - A massa de trabalhadores que vê como expectativa
de ascensão social a instrução
do filho se sente frustrada com
o descaso das autoridades com
as escolas, que não oferecem
perspectiva de futuro. Por isso,
a educação de casa, geralmente,
não inibe essa reação contra as
escolas. Além disso, o Estado
trata esses alunos que não conseguem acompanhar [o ensino]
cada vez mais como vândalos.
Pensa que, se a família não os
educa, também não tem a menor obrigação de fazê-lo. Os
alunos passam a ser vistos como bandidinhos mesmo.
FOLHA - O senhor é a favor de medidas de segurança nas escolas?
KODATO - Não adianta instalar
porta giratória e câmeras. Além
de não funcionar, vai colocar os
alunos numa situação de prisão. O único jeito de resgatar a
potência do professor é dar a
ele essa tecnologia que foi desenvolvida. Precisaria de uma
revolução nesses termos para
acabar com essa violência.
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