São Paulo, sexta-feira, 13 de novembro de 2009

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BARBARA GANCIA

"Where are you from?"


A pergunta continua a gerar a mesma reação quando a resposta é "Brazil" e a turista é do sexo feminino

VOLTO DAS FÉRIAS impressionada com a capital liberal dos EUA. A Nova York carrancuda que eu conhecia antes do atentado parece ter ficado mais acolhedora. Pode ser apenas a impressão de quem usufruiu de férias memoráveis, mas há uma leveza no ar que a falta de humildade dos tempos pré-crise não deixava transparecer.
Nas ruas, as pessoas não grunhem mais sistematicamente e não passam batido. Algumas são até capazes de parar para explicar onde fica aquele marco famoso que você pensava estar localizado na esquina de "Walk" com "Don"t Walk".
E os motoristas de táxi, que costumavam tratar o passageiro praticamente a tapas na cara, estão mais afáveis; muitos até conversa são capazes de puxar. Mas, é claro, algumas coisas não mudam nunca. A pergunta fatídica "Where are you from?" continua a gerar a mesma reação quando a resposta é "Brazil" e a turista é do sexo feminino.
A conversa sempre começa respeitosa, mas bastou você dizer que é do Brasil para verificar uma mudança radical de tom. "Puxa, você é puta! Quem diria, não parece!" A frase nunca é escancarada, mas a tapuia em viagem -mesmo cega e surda- será capaz de perceber o estupor nas entrelinhas.
Num táxi, paguei pato ouvindo considerações sobre os trajes reduzidos das brasileiras (note que minhas amigas e eu, todas freiras carmelitas, estávamos encapotadas até o cocuruto) e, noutro, o motorista resolveu apelar para a pegadinha.
Depois de tomar conhecimento da nossa nacionalidade, chutou: "Não gosto dos homens brasileiros". Fez-se silêncio, e logo ele emendou com ar sacana: "Gosto das mulheres".
Não há vez que eu saia do país, que não volte para descobrir alguma novidade estrambólica. Desta feita, sorvi aos poucos -a fim de evitar problemas estomacais- o furdúncio da estudante Geisy, expulsa da Uniban e readmitida depois de uma grita geral.
Aliás, antes que eu me esqueça, deixe-me anotar no meu caderninho: U-NI-BAN, em letra de forma, para nunca mais esquecer de advertir a todos os jovens de baixa autoestima que cruzarem no que me resta do meu tempo no planeta Terra a passarem na outra calçada da instituição. Conheçam ou não esse episódio, d'ora em diante tomarei como missão a tarefa de lembrar o ocorrido a todos os vestibulandos com quem topar.
Fico imaginando os motoristas de táxi com quem conversei em Nova York sendo confrontados com a notícia de que, no Brasil dos seus sonhos de luxúria, uma estudante de minissaia acabou escoltada pela polícia para fora de uma faculdade e, depois, quase foi expulsa. Um contrassenso? Nós somos melhores do que essa imagem debochada que fazem da gente?
Infelizmente, a resposta é não. A verdade é que conseguimos unir o pior de dois mundos.
Além de sermos levianos, ainda somos vítimas de um tipo de apagão bem pior do que aquele que deixa pessoas presas no elevador e velhinhos sem respirador. Que vem a ser a escuridão da falta de conhecimento, o obscurantismo que remete às cavernas.

barbara@uol.com.br

www.barbaragancia.com.br

Twitter: barbaragancia


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