São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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Sem-teto passam mais sede do que fome no centro

Bebedouro na região, que concentra moradores de rua, não funciona há um ano

Quando não há distribuição de água por entidades, sem-teto improvisam para matar a sede; desidratação pode comprometer função renal

IURI DE CASTRO TÔRRES
SAMIA MAZZUCCO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Já fiquei três dias sem tomar água. Com fome você come até uma casca de banana, mas, sem a água, como um ser humano pode sobreviver?", diz o sem-teto Cosmo dos Santos, 36, morador da praça da Sé.
A dificuldade de Santos é a mesma de outros paulistanos que moram nas ruas do centro, onde conseguir um copo de água é mais difícil do que obter um prato de comida.
A Folha visitou a praça da Sé, o vale do Anhangabaú, o Pátio do Colégio, o largo São Francisco e o Mercado Municipal, principais redutos dessa população na região central da cidade, onde estão 60% dos mais de 10 mil moradores de rua, segundo o mais recente censo da prefeitura, de 2003.
O único bebedouro encontrado, em um área de 26,5 km2, está desativado desde 2008 e serve como lixeira.
De acordo com a Subprefeitura da Sé, o bebedouro, na praça Dom José Gaspar, próxima ao Teatro Municipal, foi desligado após o fim de um termo de cooperação com uma agência de turismo que cuidava do aparelho.
A falta de água potável nesses lugares obriga os moradores a matar a sede em fontes, chafarizes e até em um poço improvisado, em frente ao Palácio das Indústrias.
Cosmo dos Santos conta que, com sede, bebeu água da fonte da praça da Sé e passou três dias no hospital, com diarreia.
Segundo o médico nefrologista (especialista em rins) do Hospital das Clínicas Rodrigo Bueno, a água contaminada, além de aumentar a desidratação, pode transmitir doenças graves, como a hepatite A.
A falta de água no organismo pode causar pedras nos rins e o comprometimento dos órgãos.

Álcool
Substituir a água por bebidas alcoólicas é comum, segundo o ex-morador de rua Tião Nicomedes, 41. Várias custam barato e podem ser divididas.
O problema, diz Bueno, é que o álcool engana, pois, em vez de hidratar, resseca ainda mais as células do organismo.
À noite a situação dos sem-teto é mais crítica, já que locais onde eles geralmente conseguem água, como o banheiro da estação Sé, estão fechados.
A solução é guardar água em garrafas catadas durante o dia ou esperar pela distribuição por entidades filantrópicas, que não ocorre em dias fixos.
O mais comum, no entanto, é improvisar. Coco, abacaxi e melancia, recolhidos no chão e nos lixos do Mercado Municipal, servem para matar a sede.
A opção de pedir em bares é descartada, porque os donos costumam recusar. Vânia Machado, 44, dona de um estabelecimento na Sé, é exceção. Apelidada de "mãe", ela diz não negar água a ninguém.


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