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Sem-teto passam mais sede do que fome no centro
Bebedouro na região, que concentra moradores de rua, não funciona há um ano
Quando não há distribuição de água por entidades, sem-teto improvisam para matar a sede; desidratação pode comprometer função renal
IURI DE CASTRO TÔRRES
SAMIA MAZZUCCO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Já fiquei três dias sem tomar água. Com fome você come
até uma casca de banana, mas,
sem a água, como um ser humano pode sobreviver?", diz o
sem-teto Cosmo dos Santos,
36, morador da praça da Sé.
A dificuldade de Santos é a
mesma de outros paulistanos
que moram nas ruas do centro,
onde conseguir um copo de
água é mais difícil do que obter
um prato de comida.
A Folha visitou a praça da Sé,
o vale do Anhangabaú, o Pátio
do Colégio, o largo São Francisco e o Mercado Municipal,
principais redutos dessa população na região central da cidade, onde estão 60% dos mais de
10 mil moradores de rua, segundo o mais recente censo da
prefeitura, de 2003.
O único bebedouro encontrado, em um área de 26,5 km2,
está desativado desde 2008 e
serve como lixeira.
De acordo com a Subprefeitura da Sé, o bebedouro, na
praça Dom José Gaspar, próxima ao Teatro Municipal, foi
desligado após o fim de um termo de cooperação com uma
agência de turismo que cuidava
do aparelho.
A falta de água potável nesses lugares obriga os moradores a matar a sede em fontes,
chafarizes e até em um poço
improvisado, em frente ao Palácio das Indústrias.
Cosmo dos Santos conta que,
com sede, bebeu água da fonte
da praça da Sé e passou três
dias no hospital, com diarreia.
Segundo o médico nefrologista (especialista em rins) do
Hospital das Clínicas Rodrigo
Bueno, a água contaminada,
além de aumentar a desidratação, pode transmitir doenças
graves, como a hepatite A.
A falta de água no organismo
pode causar pedras nos rins e o
comprometimento dos órgãos.
Álcool
Substituir a água por bebidas
alcoólicas é comum, segundo o
ex-morador de rua Tião Nicomedes, 41. Várias custam barato e podem ser divididas.
O problema, diz Bueno, é que
o álcool engana, pois, em vez de
hidratar, resseca ainda mais as
células do organismo.
À noite a situação dos sem-teto é mais crítica, já que locais
onde eles geralmente conseguem água, como o banheiro da
estação Sé, estão fechados.
A solução é guardar água em
garrafas catadas durante o dia
ou esperar pela distribuição
por entidades filantrópicas,
que não ocorre em dias fixos.
O mais comum, no entanto, é
improvisar. Coco, abacaxi e
melancia, recolhidos no chão e
nos lixos do Mercado Municipal, servem para matar a sede.
A opção de pedir em bares é
descartada, porque os donos
costumam recusar. Vânia Machado, 44, dona de um estabelecimento na Sé, é exceção.
Apelidada de "mãe", ela diz não
negar água a ninguém.
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