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URBANIDADE
Irmão de rua
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
A jornalista Simone
Paulino embrenhou-se
pelo submundo dos mendigos de
São Paulo. O que era para ser
uma atividade profissional
transformou-se na descoberta de
inimagináveis segredos de sua
própria família.
Tudo começa com um projeto
literário fracassado. Ela queria
escrever um conto baseado em
seu irmão alcoólatra, Nilton
Paulino, apelidado de Kung Fu,
que morreu em 2000, vítima de
cirrose. De tempos em tempos,
ele, deprimido, fugia e escondia-se pela cidade. O projeto do livro,
intitulado "Marginal" , fracassou por um simples motivo: "Vi
que não sabia quem era meu irmão". Não se conformava com o
fato de ter vivido tanto tempo
próxima e, ao mesmo tempo, tão
distante dele. "Com a morte dele, veio a culpa."
Tirou o livro da cabeça, mas o
mistério das ruas de São Paulo,
por onde trafegava anonimamente Kung Fu, ficou. Só por isso
aceitou trabalhar de graça para
Jorge Cordeiro Barbosa, o Gaúcho, um morador de rua, alcoólatra, que sonhava em publicar
seus manuscritos e precisava de
ajuda profissional.
Simone ajudou Gaúcho a refazer sua história, acompanhou-o
em trilhas urbanas, tomou contato com os personagens que formavam as redes de solidariedade. Numa das conversas, Simone
soube que um dos melhores amigos dele tinha o apelido de
"Kung Fu". "Como não sabia o
que era delírio ou realidade,
imaginei que fosse uma coincidência."
Até que ela remexeu nos poucos papéis deixados pelo irmão e
leu, nas costas de um cartão
amassado, o nome "Gaúcho".
Não era delírio. Percebeu, então,
que havia dois mistérios -os
amigos de Kung Fu não sabiam
aonde ele ia quando, doente, sumia das ruas, e os familiares não
sabiam onde ele vivia quando
desaparecia de casa. "Ao refazer
os caminhos e os contatos do
Gaúcho, fiquei sabendo como
meu irmão vivia."
Gaúcho acaba de lançar
"Identidade Perdida", livro em
que relata sua sobrevivência nas
ruas. Num apêndice, Simone
conta rapidamente o caso de seu
irmão, um inesperado e imprevisto desfecho do livro. Os mistérios ainda não acabaram. Há
rumores de que Kung Fu tenha
tido um relacionamento amoroso nas ruas do qual nasceu um
filho. Simone gostaria de descobrir esse sobrinho talvez sirva de
inspiração para que o "Marginal" vire um livro, já que aprendeu, na rua, a conhecer seu personagem.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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