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DANUZA LEÃO
Infância na praia
Às vezes alguém inventava de fazer um buraco e enterrar uma das crianças, deixando só a cabeça dela de fora
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QUANDO criança você passava
suas férias no campo ou na
praia? Atenção: praia, não
hotel tipo resort; praia de outros
tempos.
A minha era assim: ninguém se
deitava na areia para se queimar, e as
crianças ficavam agachadas olhando
os siris brancos que andavam de lado e fugiam se enfiando nos buracos.
As brincadeiras eram sempre as
mesmas: fazer um castelo de areia e
depois decorar o castelo com areia
molhada, como se fosse um bolo, ou
pegar um graveto para desenhar ou
escrever na areia; depois vinha a onda, desmanchava tudo, se começava
tudo de novo e ninguém se cansava
de fazer sempre a mesma coisa.
Às vezes alguém inventava algo de
mais excitante: fazer um buraco e
enterrar uma das crianças, deixando
só a cabeça de fora. Era a primeira
atração pelo perigo, e se morria de
medo da noite chegar e ficar enterrada ali para sempre, gritando, pedindo socorro na escuridão, sem
ninguém ouvir.
Ao meio-dia era hora de ir almoçar, ainda com o maiô molhado, e
depois se ficava na varanda, sentada
no chão, não fazendo nada ou brincando com cinco pedrinhas do mesmo tamanho. A brincadeira era jogar uma para o alto e, com a mesma
mão, apanhar uma que estivesse no
chão; depois apanhar duas, depois
três, depois quatro, e assim se passava a tarde.
Lá pelas quatro horas, era a hora
do banho; a cabeça era lavada com
sabonete, depois era só vestir um
vestido bem limpinho e ir passear na
beira do mar sem sapatos.
Ah, era bom: o sol caindo e a gente
com os pés na água, correndo das
ondas para não molhar a roupa. Do
mar vinha um cheiro bom de maresia, que dava vontade de respirar
bem fundo e viver muito. Ninguém
entendia direito que vontade era essa, mas era a melhor sensação do
mundo -o primeiro contato com a
sensualidade.
O sol era muito forte, mas ninguém pensava em se proteger. À noite as costas ardiam e, como não havia ainda Caladril, o remédio era fazer uma mistura de polvilho com cachaça e passar nos ombros. Aliviava,
mas não evitava que a pele descascasse. Ardia, e que bom era a pele arder porque se tomou sol demais, tão boa a vida antes da tal camada de
ozônio.
O jantar era às sete e não havia horário de verão, nem televisão. Ficava
todo mundo pelos cantos, até chegar
o sono. As crianças não falavam alto
nem brigavam e quando, às vezes, ficavam coçando um dedinho do pé, a
filha da empregada ia ver se não era
bicho de pé. Ficava todo mundo em
volta torcendo para ser; ela pegava
uma agulha, passava no álcool, acendia um fósforo, para esterilizar, e
com a ponta da agulha levantava a
pele mais grossa, depois a mais fina,
e todo mudo torcia para o bicho sair
inteiro. Quando isso acontecia, ficava um buraquinho no pé, mas sem
uma só gota de sangue.
Nunca passou pela cabeça de ninguém que o ano 2000 um dia ia chegar, e quem um dia sentiu o cheiro
de uma cabeça de criança lavada
com sabonete Lifebuoy, dele nunca
mais se esqueceu.
PS: Estou entrando em férias e volto
no dia 18 de fevereiro.
danuza.leao@uol.com.br
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