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UM SONHO DE LIBERDADE
Sem emprego ou viciados em drogas, presos em liberdade condicional preferem cumprir resto da pena
Ex-detentos pedem para voltar à cadeia
MARCELO BORTOLOTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Daniel Aleixo da Silva, de 28
anos, trabalhava como pintor em
Belo Horizonte até que, em 2004,
assaltou um ônibus e acabou preso. Foi condenado a quatro anos
de detenção, mas, como era réu
primário, ganhou liberdade condicional no final do ano passado.
Livre, Daniel ficou desempregado, passou a consumir drogas e
foi abandonado pela mulher. No
início de janeiro, procurou a Justiça para fazer um pedido incomum: queria voltar para a cadeia.
Ele alegou que estava cometendo assaltos para manter o vício
das drogas e preferia ficar na prisão. A Justiça realizou sua vontade e o mandou de volta à carceragem da Divisão de Crimes contra
o Patrimônio, uma das mais precárias do Estado -onde divide a
cela com outros 20 detentos.
De novo encarcerado, ele terá
seu estado mental avaliado. Para a
polícia, ele tinha dívidas com traficantes e medo de ser morto. Deprimido, Daniel não recebe visitas
nem fala com a imprensa. "Depois que o efeito da droga passou,
ele se arrependeu de ter voltado.
Sua família já esteve aqui e tentará
interná-lo num hospital psiquiátrico. Não é normal pedir para ser
preso", estranha o inspetor da cadeia, José Frederico Falcão.
Só em Minas Gerais, 2.196 detentos fugiram da prisão no ano
passado (579 recapturados). Já
criminosos que se apresentam espontaneamente são bem raros
-média de dois ou no máximo
três casos por ano em todo o país.
Mesmo privados de liberdade,
alguns encontram lá garantias básicas. A lembrança do ambiente
também influi. Como no filme
"Um Sonho de Liberdade", em
que o personagem Brooks Hatlen
é solto após 50 anos, mas não se
acostuma à vida fora da cela, alguns preferem voltar ao convívio
com os amigos -ou amores.
Davi de Jesus Costa, 33, o Gina,
bateu na 78ª DP, em Niterói (RJ),
em novembro, e pediu para ser
detido. Em liberdade havia dois
meses, após cumprir três anos e
meio por roubo, alegou que queria ficar ao lado do companheiro
preso, um traficante. "De que
adianta estar livre se não tenho
meu amor?", disse aos policiais.
Segundo um carcereiro, ele faturava com programas na prisão
até R$ 300 por semana. Nas ruas
não teve a mesma sorte. O pedido
não foi atendido. "Quem cumpriu
a pena não pode ser preso de novo. Mesmo se quiser morar na cadeia, o Estado não pode sustentá-lo", diz o delegado Mário de Freitas. Pela lei, quem está em liberdade condicional pode voltar à carceragem se o juiz acatar o pedido.
O réu que cumpriu a pena integral
só retorna se cometer novo delito.
O auxiliar de serviços gerais
Marcus Alves Barcelos, 35, teve
sucesso. Em 2004, em Belo Horizonte, pediu para ser encarcerado
porque estava sem trabalho. Ele
havia sido preso em flagrante em
1992, após cometer um assalto, e
passou oito meses na cela. Solto,
não tomou conhecimento de seu
processo e, julgado à revelia, foi
condenado a seis anos de prisão.
Marcus diz que nunca foi procurado. Sem carteira de identidade desde o flagrante, esperava o
comunicado da Justiça. "A coisa
estava complicada lá fora. Sem
documento não conseguia trabalhar. Ficava em casa o dia inteiro e
minha mulher pediu separação."
Quando descobriu que havia sido condenado, procurou a delegacia. Por ter se apresentado,
Marcus recebeu tratamento especial e hoje trabalha como auxiliar
de limpeza, em alojamento separado. Enfrenta agora um novo
problema: já devia ter sido solto,
mas não consegue sair da cadeia.
"Eu não tenho advogado e meu
tempo venceu no final do ano."
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