São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

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UM SONHO DE LIBERDADE

Sem emprego ou viciados em drogas, presos em liberdade condicional preferem cumprir resto da pena

Ex-detentos pedem para voltar à cadeia

MARCELO BORTOLOTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Daniel Aleixo da Silva, de 28 anos, trabalhava como pintor em Belo Horizonte até que, em 2004, assaltou um ônibus e acabou preso. Foi condenado a quatro anos de detenção, mas, como era réu primário, ganhou liberdade condicional no final do ano passado.
Livre, Daniel ficou desempregado, passou a consumir drogas e foi abandonado pela mulher. No início de janeiro, procurou a Justiça para fazer um pedido incomum: queria voltar para a cadeia.
Ele alegou que estava cometendo assaltos para manter o vício das drogas e preferia ficar na prisão. A Justiça realizou sua vontade e o mandou de volta à carceragem da Divisão de Crimes contra o Patrimônio, uma das mais precárias do Estado -onde divide a cela com outros 20 detentos.
De novo encarcerado, ele terá seu estado mental avaliado. Para a polícia, ele tinha dívidas com traficantes e medo de ser morto. Deprimido, Daniel não recebe visitas nem fala com a imprensa. "Depois que o efeito da droga passou, ele se arrependeu de ter voltado. Sua família já esteve aqui e tentará interná-lo num hospital psiquiátrico. Não é normal pedir para ser preso", estranha o inspetor da cadeia, José Frederico Falcão.
Só em Minas Gerais, 2.196 detentos fugiram da prisão no ano passado (579 recapturados). Já criminosos que se apresentam espontaneamente são bem raros -média de dois ou no máximo três casos por ano em todo o país.
Mesmo privados de liberdade, alguns encontram lá garantias básicas. A lembrança do ambiente também influi. Como no filme "Um Sonho de Liberdade", em que o personagem Brooks Hatlen é solto após 50 anos, mas não se acostuma à vida fora da cela, alguns preferem voltar ao convívio com os amigos -ou amores.
Davi de Jesus Costa, 33, o Gina, bateu na 78ª DP, em Niterói (RJ), em novembro, e pediu para ser detido. Em liberdade havia dois meses, após cumprir três anos e meio por roubo, alegou que queria ficar ao lado do companheiro preso, um traficante. "De que adianta estar livre se não tenho meu amor?", disse aos policiais.
Segundo um carcereiro, ele faturava com programas na prisão até R$ 300 por semana. Nas ruas não teve a mesma sorte. O pedido não foi atendido. "Quem cumpriu a pena não pode ser preso de novo. Mesmo se quiser morar na cadeia, o Estado não pode sustentá-lo", diz o delegado Mário de Freitas. Pela lei, quem está em liberdade condicional pode voltar à carceragem se o juiz acatar o pedido. O réu que cumpriu a pena integral só retorna se cometer novo delito.
O auxiliar de serviços gerais Marcus Alves Barcelos, 35, teve sucesso. Em 2004, em Belo Horizonte, pediu para ser encarcerado porque estava sem trabalho. Ele havia sido preso em flagrante em 1992, após cometer um assalto, e passou oito meses na cela. Solto, não tomou conhecimento de seu processo e, julgado à revelia, foi condenado a seis anos de prisão.
Marcus diz que nunca foi procurado. Sem carteira de identidade desde o flagrante, esperava o comunicado da Justiça. "A coisa estava complicada lá fora. Sem documento não conseguia trabalhar. Ficava em casa o dia inteiro e minha mulher pediu separação."
Quando descobriu que havia sido condenado, procurou a delegacia. Por ter se apresentado, Marcus recebeu tratamento especial e hoje trabalha como auxiliar de limpeza, em alojamento separado. Enfrenta agora um novo problema: já devia ter sido solto, mas não consegue sair da cadeia. "Eu não tenho advogado e meu tempo venceu no final do ano."


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