São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

A lição das faltas premiadas


A rede de ensino da cidade de São Paulo está quase em último lugar em qualidade de ensino em relação às demais


DEPOIS DO mestrado em gestão pública na Fundação Getúlio Vargas, o administrador de empresas Alexandre Schneider planejava coroar sua vida acadêmica com um doutorado. Ao rabiscar ontem à tarde, numa folha solta, um amontoado de números, ele dizia, em tom meio de brincadeira e meio sério, que estava prestes a abandonar seu projeto. "Não sei se vou aprender mais numa sala de aula do que estou aprendendo na realidade sobre os labirintos da administração pública." No papel, estava escrito "629 mil faltas". "É inacreditável", disse.
Com o diploma da graduação, ele conseguiu atingir o sonho da maioria de seus colegas: um emprego numa grande empresa. Trabalhava num banco de investimentos em parceria com empresas alemãs, onde quase tudo funcionava com extremo rigor e pontualidade. Até que, por causa de seu interesse em gestão pública, envolveu-se com projetos de melhoria de eficiência de governos e tornou-se, no ano passado, secretário de Educação do município de São Paulo. "Começou aí minha grande aula, superior a qualquer doutorado em administração pública."

 


Entre as lições estão as contas que ele fazia ontem sobre o número de faltas dos professores; em 2005 e 2006, foram, respectivamente, 629 mil e cerca de 500 mil (os números ainda estão em fase de contagem final). Para cada ausência, some-se no mínimo três aulas. Isso causa transtornos imensos numa rede com 1.200 escolas, 1 milhão de alunos e 50 mil professores.
No seu aprendizado, ele viu que o professor tem direito a deixar de ir à escola dez vezes por ano sem dar nenhuma explicação, além das faltas "justificáveis" e das licenças médicas. Anualmente, 3.000 professores e diretores mudam de escola. A maioria das escolas tem três turnos diurnos e não se tem claro o que ensinar em cada ano. A rede de ensino da cidade de São Paulo está quase em último lugar em qualidade de ensino em relação às demais; está abaixo, por exemplo, da maioria das capitais nordestinas.

 


Um detalhe é que, apesar dessa pontuação, os professores têm direito a uma "gratificação de desempenho", cujo único critério é o da assiduidade. Nesse doutorado na prática, Schneider ficou sabendo que, no final do ano passado, todos os professores foram premiados com a gratificação por desempenho - mesmo aqueles que ajudaram a compor as 500 mil faltas, o que significa a ausência em 1,5 milhão de aulas. "Duvido que qualquer curso teórico me explicasse como chegamos a tal situação."

 


PS- Ele está redigindo decreto para que só os professores assíduos ganhem a gratificação por assiduidade. A previsível reação a essa medida será mais uma aula - ainda mais se sua intenção não conseguir sair do papel.

gdimen@uol.com.br


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