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Sem carros de som, Carnaval de Paraitinga levanta cidade em ruínas
Bloco do Juca Telles sai à moda antiga e arrasta moradores, entre muros escorados e lonas pretas; município foi arrasado pelas chuvas no início do ano
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A SÃO LUIZ DO
PARAITINGA
As cotias do sertão trouxeram alegria e confusão. Não tinha nem amanhecido ontem, e
um grupo de foliões do bloco do
Juca Telles, o mais famoso de
São Luiz do Paraitinga, repetia
o ritual de quase 30 anos: reunir-se em um café da manhã no
largo do Rosário, para de lá sair
chamando o povo para a folia,
ao som do tal hino que fala das
cotias do sertão.
Só mesmo o Carnaval para
levantar, ainda que por pouco
tempo, o luto que cobriu São
Luiz, cidade do Vale do Paraíba
a 182 km de São Paulo. "
Nos primeiros dias do ano, a
enchente do rio Paraitinga
transformou a cidade em represa de 15 metros de profundidade, submergiu 600 imóveis,
transformou a igreja matriz em
um monte de entulhos, derrubou casarões assobradados de
taipa e pilão, desabrigou 90%
da população de 11 mil pessoas.
As chuvas lavaram memórias
da cidade histórica.
Neste ano não era para ter
nada de Carnaval. As paredes
de São Luiz ainda estão pensas,
escoradas por toras. Ainda se
estendem plásticos por toda a
encosta urbana do rio Paraitinga -para impedir que as casas
às margens mergulhem na corredeira de águas barrentas. Os
moradores ainda reclamam da
pressão que subiu, das dificuldades para dormir.
Defesa Civil, prefeitura, engenheiros e Ministério Público
acharam que a música dos blocos, movidas a toneladas de
decibéis de carros de som como
os dos trios elétricos da Bahia,
poderia desestabilizar ainda
mais o que já não está firme,
e proibiu tudo.
O povo até concordou, os turistas foram avisados e a cidade
preparou-se para um Carnaval
quieto. Mas, na noite de sexta-feira, não resistiu.
Jogou-se atrás dos blocos do
Lençol e Misto-Quente (lençol
porque os integrantes se fantasiam com lençóis e misto-quente, porque sai todo mundo
abraçadinho, como as duas fatias de pão).
"Sem carro de som, sem multidões, por incrível que pareça,
ficou melhor. A gente se lembrou de como era o Carnaval
daqui antes", disse o músico
Luiz Claudio Castro de Paula,
34, subindo a ladeira de pedras
com seu surdo e roupas de retalhos coloridos, uma marca do
Carnaval luizense.
"No ano passado, era tanta
gente, a esmagadora maioria de
fora, que São Luiz do Paraitinga
ficou parecida com Olinda",
lembrou a cantora Suzana Salles, presente todo ano no Carnaval da cidade.
Foi uma grande sacada a que
levou São Luiz a se tornar a meca do Carnaval do interior de
São Paulo. Em 2001, o então
prefeito Danilo Mikilin, aconselhado por músicos da cidade,
baniu o axé e o samba do Carnaval. Ali, só as marchinhas.
O fundador do bloco Juca Telles, Benito Campos, 58, lembra
que, até a década de 80, a cidade
ainda tinha uma escola de samba que fazia carnaval com plumas e paetês. "Mas não funcionava por aqui. A gente cresceu
em outra tradição, caipira ouvindo dobrado", disse, referindo-se ao ritmo característico
das bandas marciais.
"Turista chegava, ligava o
som com Daniela Mercury, e já
tomava uma bronca", lembra o
professor Marcelo Toledo, 46,
historiador e pesquisador. Segundo ele, a cidade enraíza sua
tradição de marchinhas na antiga Banda Sinfônica do Santíssimo Sacramento, a primeira
do gênero no Vale do Paraíba e
em atividade até hoje.
Às 12h em ponto, o Juca Telles saiu pelas ruas de São Luiz,
como sai em todos anos. Desta
vez, sem eletricidade, só tambores, pistões, trombones e a
voz dos dos foliões que, bêbados de cerveja, pinga e alegria
cantavam -muitos choravam
também, de emoção. Depois da
catástrofe, a cidade está viva e
as cotias cantam.
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