São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

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Do seu traço fez-se o Carnaval

Há 54 anos no Rio, artista suíça virou figurinista do Carnaval e foi a 1ª mulher a trabalhar em escola de samba, onde fez desfiles para o Salgueiro

Rafael Andrade/Folhapress
Marie Louise Nery, no ateliê de sua casa, em Copacabana, no Rio

DIANA BRITO
DO RIO

A primeira lembrança que vem à mente da suíça Marie Louise Nery, 86, quando se pergunta sobre sua chegada ao Rio, em 1957, são os golfinhos que viu saltando na baía de Guanabara.
A segunda lembrança é a do carnaval de 1958, quando viu as escolas de samba que na época desfilavam na Avenida Rio Branco, diante de foliões que se acotovelavam nas calçadas.
"Fiquei fascinada. Naquela época ninguém queria sair pelado ou vestido de índio ou escravo. Todos queriam ser destaques, por causa das roupas luxuosas. Joãozinho Trinta diz que pobre gosta de luxo. Quem gosta de simplicidade são os intelectuais."
Artista plástica e figurinista, Marie Louise veio parar no Brasil por amor. Percorria uma exposição no museu etnográfico de Neuchatel, na Suíça, quando bateu os olhos em um brasileiro que montava uma exposição. Era o aderecista pernambucano Dirceu da Câmara Nery.
"Em pouco tempo estávamos casados. Larguei tudo e vim para o Rio com ele", diz.
Amigo de vários jovens artistas, Nery percebeu o fascínio da mulher com os desfiles de Carnaval e a convenceu a "fazer uns riscos" para um deles, Fernando Pamplona, que começava uma carreira vitoriosa -e que revolucionou os desfiles de escola de samba- no Salgueiro.
Marie Louise empolgou-se e começou a criar fantasias ao lado do marido. "Algum tempo depois soube que fui a primeira mulher a trabalhar para uma escola de samba. Na época não prestava muita atenção nisso. Queria criar".
No ano seguinte, a convite de Pamplona, Marie Louise e Nery estavam no grupo que desenvolveu o enredo "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil", a respeito da vinda da missão artística francesa ao Brasil, em 1816, e do legado deixado aqui pelo pintor Jean Baptiste Debret. A escola não levou o título -perdeu para a Portela- mas o desfile ficou na memória.
Desistiu do carnaval após a morte repentina do marido, aos 47 anos, em 1967. Continuar sem o parceiro, avaliou, não fazia sentido.
Diversificou. Fez figurinos para teatro e cinema e tornou-se professora da Escola de Belas Artes da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Escola de Teatro da Unirio (Universidade Federal do Estado do RJ). Dos tempos na Suíça lembra da família puritana, que não admitia uma artista na família.
Apesar de alguns problemas motores, resultado de uma cirurgia nos anos 90, Marie Louise ainda desenha com frequência. Um exemplo é o croqui que criou para a Folha, inspirado no enredo da Beija-Flor, que homenageia o cantor Roberto Carlos.
Para ela, a diferença dos tempos em que começou a criar para escolas de samba para os Carnavais de hoje é uma só: "Agora é show, com muitos brancos. Na minha época era uma festa popular, dos negros da comunidade".


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