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MOACYR SCLIAR
Já li isto em algum lugar
Se você é daquele tipo que nunca encontra as palavras certas para terminar um relacionamento, saiba que
existe um site com dicas para romper. Há cartas em estilo formal ou
poético para rompimento por escrito.
Folha Informática, 2.mar.2005
Ele era um rapaz sério, trabalhador. Ela era uma moça
séria, trabalhadora. Namoravam
havia muitos anos. Desde a infância, na verdade. Porque as famílias se conheciam e faziam gosto
de que os dois namorassem. E, assim, eles namoravam e até falavam em noivar e em casar.
A verdade, porém, é que o relacionamento entre ambos era, no
máximo, morno. Muito respeito
mútuo, bastante afeto, tratamento cordial; mas paixão, paixão arrebatadora, isso não havia. De
qualquer modo foram levando.
Até que ele conheceu outra garota. Encontro casual, num supermercado. Ela deixou cair um objeto qualquer, ele a ajudou, começaram a conversar, saíram para
tomar alguma coisa, marcaram
um encontro -e quando deu por
si, ele estava, aí sim, apaixonado.
O que representava um tremendo problema de consciência. Como contar à sua namorada de
tantos anos o que estava acontecendo? Como terminar aquela
antiga ligação?
Foi então que ouviu falar do site
que dava dicas para romper. De
imediato entrou ali. Havia numerosos modelos de cartas, desde as
curtas e brutais ("Estou cheio de
sua cara, desapareça") até as
mais sofisticadas e elegantes. Destas, escolheu uma que lhe pareceu
particularmente satisfatória:
"Durante muitos anos convivemos com afeto e alegria. Durante
muitos anos nossa existência foi
iluminada pela lâmpada do
amor. Mas seja por falta de energia, seja por outra razão qualquer, a lâmpada do amor está se
apagando. Antes que fiquemos
totalmente no escuro é melhor
que terminemos nossa relação como amigos. É melhor que busquemos a luz em outros amores.
Guardaremos, um do outro, uma
terna lembrança; é isso o que importa."
Imprimiu a carta, assinou-a e
telefonou para a namorada marcando um encontro naquela mesma noite. Era uma segunda-feira,
e ela não gostava de sair nas segundas-feiras, mas, para surpresa
dele, aceitou o convite de imediato: eu também precisava falar
com você, é muita coincidência.
Foi mais fácil do que ele esperava, muito mais fácil. Disse que algo tinha acontecido, algo que
uma carta explicaria, e entregou-lhe o envelope fechado. Ela replicou que também tinha uma carta
para ele. Despediram-se, numa
boa.
Ele entrou num bar, abriu o envelope, e leu: "Durante muitos
anos convivemos com afeto e alegria. Durante muitos anos nossa
existência foi iluminada pela
lâmpada do amor. Mas seja por
falta de energia, seja por outra razão qualquer, a lâmpada do
amor está se apagando. Antes que
fiquemos totalmente no escuro é
melhor que terminemos nossa relação como amigos. É melhor que
busquemos a luz em outros amores. Guardaremos, um do outro,
uma terna lembrança; é isso o que
importa."
Com o que ele concluiu: grandes
amores são para poucos. Mas sites
na internet estão ao alcance de
todos.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas na Folha.
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