São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2005

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MOACYR SCLIAR

Já li isto em algum lugar

 Se você é daquele tipo que nunca encontra as palavras certas para terminar um relacionamento, saiba que existe um site com dicas para romper. Há cartas em estilo formal ou poético para rompimento por escrito. Folha Informática, 2.mar.2005

Ele era um rapaz sério, trabalhador. Ela era uma moça séria, trabalhadora. Namoravam havia muitos anos. Desde a infância, na verdade. Porque as famílias se conheciam e faziam gosto de que os dois namorassem. E, assim, eles namoravam e até falavam em noivar e em casar.
A verdade, porém, é que o relacionamento entre ambos era, no máximo, morno. Muito respeito mútuo, bastante afeto, tratamento cordial; mas paixão, paixão arrebatadora, isso não havia. De qualquer modo foram levando. Até que ele conheceu outra garota. Encontro casual, num supermercado. Ela deixou cair um objeto qualquer, ele a ajudou, começaram a conversar, saíram para tomar alguma coisa, marcaram um encontro -e quando deu por si, ele estava, aí sim, apaixonado.
O que representava um tremendo problema de consciência. Como contar à sua namorada de tantos anos o que estava acontecendo? Como terminar aquela antiga ligação?
Foi então que ouviu falar do site que dava dicas para romper. De imediato entrou ali. Havia numerosos modelos de cartas, desde as curtas e brutais ("Estou cheio de sua cara, desapareça") até as mais sofisticadas e elegantes. Destas, escolheu uma que lhe pareceu particularmente satisfatória: "Durante muitos anos convivemos com afeto e alegria. Durante muitos anos nossa existência foi iluminada pela lâmpada do amor. Mas seja por falta de energia, seja por outra razão qualquer, a lâmpada do amor está se apagando. Antes que fiquemos totalmente no escuro é melhor que terminemos nossa relação como amigos. É melhor que busquemos a luz em outros amores. Guardaremos, um do outro, uma terna lembrança; é isso o que importa."
Imprimiu a carta, assinou-a e telefonou para a namorada marcando um encontro naquela mesma noite. Era uma segunda-feira, e ela não gostava de sair nas segundas-feiras, mas, para surpresa dele, aceitou o convite de imediato: eu também precisava falar com você, é muita coincidência.
Foi mais fácil do que ele esperava, muito mais fácil. Disse que algo tinha acontecido, algo que uma carta explicaria, e entregou-lhe o envelope fechado. Ela replicou que também tinha uma carta para ele. Despediram-se, numa boa.
Ele entrou num bar, abriu o envelope, e leu: "Durante muitos anos convivemos com afeto e alegria. Durante muitos anos nossa existência foi iluminada pela lâmpada do amor. Mas seja por falta de energia, seja por outra razão qualquer, a lâmpada do amor está se apagando. Antes que fiquemos totalmente no escuro é melhor que terminemos nossa relação como amigos. É melhor que busquemos a luz em outros amores. Guardaremos, um do outro, uma terna lembrança; é isso o que importa."
Com o que ele concluiu: grandes amores são para poucos. Mas sites na internet estão ao alcance de todos.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas na Folha.

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