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Meu novo corpo
Fernando Fernandes, modelo e esportista que participou em 2002 do "Big Brother Brasil", fala da nova vida após o acidente que o deixou paraplégico
JAIRO MARQUES
COORDENADOR-ASSISTENTE
DA AGÊNCIA FOLHA
Uma noite de bebida em excesso. Um carro a 100 quilômetros por hora. Uma árvore. Ausência do cinto de segurança.
Esses ingredientes, em questão
de segundos, causaram uma
guinada na vida do ex-BBB Fernando Fernandes, 28, que hoje,
oito meses depois de um acidente numa avenida da capital
paulista, está paraplégico.
Há pouco mais de uma semana, o modelo profissional e esportista que em 2002 participou do reality show "Big Brother Brasil", da TV Globo, viveu
seu primeiro dia na nova casa
sem escadas, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo.
Fernandes acabara de ter alta do hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, onde ficou
por seis meses fazendo reabilitação motora e, mais importante, aprendendo a conviver com
o novo corpo.
No momento, o mais complicado não é a adaptação à cadeira de rodas, segundo ele.
"Quem vê de fora acha que a
dificuldade é estar aqui sentado. Mas não vejo problema nenhum. O duro é você voltar a
controlar sua bexiga, seu intestino, que também dependem
das suas ordens cerebrais [afetadas com a lesão do acidente].
O que não é visto, muitas vezes,
é bem mais complicado."
Fernandes se preparava para
passar uma temporada em Milão, na Itália, quando se acidentou. "Naquele dia, eu tinha treinado muito pela manhã. À tarde, fui jogar futebol e, à noite,
fui beber com amigos. Queria
emagrecer porque estava entrando no mercado internacional. Comia muito pouco. Juntou tudo isso e..."
Apesar de apontar para novos desafios -quer ser para-atleta disputando canoagem
adaptada-, falou sem restrição
sobre o passado "intenso", a vida sexual como cadeirante,
ciência, "Big Brother" e família.
CORPO POR FORA
Fernandes começou na carreira de modelo aos 15. Com 17,
foi da Vila Mariana, bairro de
classe média de São Paulo, para
o Harlem, em Nova York, trabalhar em uma agência local.
Após participar da segunda
edição do "Big Brother Brasil",
em 2002, com 22 anos, a carreira deslanchou: fez campanhas
ao lado das tops Claudia Schiffer, Eva Herzigova, Naomi
Campbell. Namorou a atriz Danielle Winits por alguns meses.
"Sempre trabalhei com o corpo, com a parte externa. Era
modelo, atleta. Mas acho que
nunca me prendi ao ego da profissão, apesar de ser muito vaidoso. No começo [após o acidente], fiquei meio perdido.
Não pela estética, pelas dificuldades que enfrentaria. Ninguém para para pensar nas necessidades de um cadeirante.
Só vivendo vi a realidade."
Apesar da lesão recente, que
atingiu a vértebra T-12 e o deixou paraplégico, com sensibilidade restrita da cintura para
baixo, somente as pernas de
Fernandes estão mais finas,
com 15 quilos a menos. O tronco ele conseguiu manter em
pleno vigor físico. Fez exercícios ainda na cama do hospital,
poucos dias após o trauma.
Um mês depois do acidente,
já se exercitava ainda na maca.
Agora, voltou a praticar esportes: canoagem e remo adaptados, boxe e corrida.
"Tenho certeza de que vou
disputar a Paraolimpíada [a
próxima será em Londres, em
2012]. Minha vida está focada
nisso. Era modelo e fazia esporte por prazer, agora quero me
sustentar dele. Com três meses
de lesão, corri a São Silvestre
em cadeira de rodas, todo desengonçado [ficou em sexto].
Vou para Portugal em abril
treinar canoagem adaptada por
dois meses. Vou competir na
França, Alemanha e Hungria.
Tenho um bom patrocinador."
PRA QUE MILAGRES?
De frequentador esporádico
da igreja evangélica Bola de Neve, que defende sintonia com o
esporte, Fernandes passou a
membro assíduo da religião depois do acidente. Ele afirma
não estar em busca de milagre.
"Me incomodaria muito chegar a um lugar e alguém me
apontar o dedo como o deficiente que está com problemas
e precisa ser curado. Se isso
acontecer comigo, vou dizer
para o cara: "Amigo, não vou levantar, mesmo. Minhas pernas
não vão aguentar'", diz, rindo.
"Para mim, milagre é o que já
está acontecendo comigo: ter
uma força pra buscar melhorar,
aproveitar a outra oportunidade que estou tendo de viver, ter
uma cabeça tranquila diante
das mudanças."
Pensamento natural para
pessoas que perdem seus movimentos, o da busca pela cura a
qualquer preço, não está nos
planos do modelo.
"Ainda falta muita coisa para
começarem a curar lesões medulares. Tem gente se arriscando, fazendo tratamentos experimentais, cujo resultado ninguém sabe. Não vou ser boi de
piranha. Estou feliz do jeito que
estou. Claro que preferiria estar andando, mas não estou desesperado e muito menos estou
numa busca cega e exagerada
por uma cura. Quero tocar minha vida com qualidade", diz.
"Muita novidade da ciência
deverá vir, talvez, em dez anos.
Quando algo significativo acontecer, todos vão saber. Estou
mantendo meu corpo bem preparado para o dia em que algo
surgir e aproveitar o momento.
Mantenho um bom metabolismo, oxigenação, faço alongamentos e pratico muito esporte. Estimulo meu organismo",
afirma o modelo.
BBB SEM GRAÇA
Amigos e fãs já perguntaram
a Fernandes se ele não gostaria
de voltar à casa do "Big Brother" na condição de cadeirante. Ele tem visto pouco a atual
edição do reality show. Avalia,
pelo pouco que viu, que o
"BBB" perdeu o charme.
"O programa mudou totalmente da época em que participei. Antes, a ideia era uma brincadeira numa casa cheia de mulher bonita, piscina e com a
chance de ganhar R$ 1 milhão.
Hoje, dos poucos momentos
que vejo, as pessoas só estão
preocupadas com votação, fazendo planos para eliminar alguém, pensando na revista em
que vão sair", afirma.
TALENTO SEXUAL
Não passa de lenda achar que
pessoas com deficiência não
têm vida sexual. O ex-BBB, inclusive, quer ser pai. "Sei que é
possível e vou fazer de tudo para ter filhos. Adoro criança."
No auge da fama, Fernandes
era rodeado de mulheres bonitas, mas diz que namorou "poucas" e que todas elas deram
apoio durante sua recuperação.
Após temer a nova condição física, redesenha a vida sexual.
"Não fazia ideia de como era
a vida sexual de um cadeirante,
nunca tinha parado para pensar. Hoje tenho plena consciência de que sexo não é só penetração. Fui descobrindo outros
meios de ter prazer. No começo, estava desesperado porque
achava que tudo ia acabar [risos]. Morria de medo. Agora,
me tornei um rapaz muito mais
talentoso [risos]. É preciso redescobrir a sexualidade."
LAÇOS
Maria Fernanda Fernandes,
51, mãe do ex-BBB, e César
Costa Pereira, 54, o padrasto, se
desfizeram do triplex em que
moravam para alugar uma casa
térrea e receber o filho, que, por
enquanto, vai abrir mão de morar sozinho como antes.
Fernanda também abandonou os tapetes que adora porque eles se enroscavam nas rodinhas da cadeira.
"Sempre tive um laço muito
forte com a minha mãe [exibe
no braço direito uma tatuagem
com a inscrição "Gracias, madre']. A família é tudo num momento complicado com este.
Ter um ombro para chorar, ter
carinho foi fundamental."
A cadela Hanna, uma chow
chow preta de um ano e oito
meses, completa a família.
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