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Milícia de classe média policia balneário
Grupo de moradores de Meaípe, bairro nobre de Guarapari, no Espírito Santo, patrulha ruas da região todas as noites
O objetivo é tentar aumentar a segurança das casas do bairro e chamar
a atenção do Estado para o aumento de furtos no local
CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM GUARAPARI
Munidos de apitos, lanternas, celulares e comprovantes
de residência, moradores de
Meaípe, bairro nobre de Guarapari (região metropolitana de
Vitória, ES), patrulham, em duplas, as ruas da região todas as
madrugadas, da 0h às 6h.
Há cerca de um mês, essa é a
rotina de um grupo de 20 moradores, formado por comerciantes, aposentados, estudantes e donas-de-casa, com idades
de 20 a 67 anos.
O objetivo da autodenominada "milícia" é garantir a segurança das casas do bairro e chamar a atenção do Estado para o
aumento de furtos no local.
Considerada região de "público diferenciado" e "uma das
mais badaladas do Estado" pela
Prefeitura de Guarapari, Meaípe atrai turistas por sua praia e
por pratos como a moqueca capixaba, que pode custar mais de
R$ 100. Segundo a prefeitura,
cerca de 600 mil pessoas visitaram Guarapari no verão deste
ano -não há dados por bairro.
Vitória é a segunda capital no
ranking nacional da taxa de homicídios. Em Meaípe, moradores dizem que o problema é o
aumento, nas últimas semanas,
do número de roubos a casas, o
que motivou a criação da milícia. Segundo a PM, houve 456
furtos em Guarapari nos quatro
primeiros meses deste ano,
contra 249 no mesmo período
de 2006 -aumento de 83%.
Ronda
Na madrugada do último dia
3, a Folha acompanhou, por
duas horas, uma ronda da milícia de classe média. Seus integrantes falaram sob a condição
de não terem nomes e idades
revelados.
O desempregado André (os
nomes são fictícios), um jovem
alto e forte, toma a dianteira.
Com o dedo, traça um trapézio
no ar, indicando a seqüência de
ruas a serem percorridas.
Nas primeiras patrulhas, o
grupo usava porretes para "defesa pessoal", mas deixou o instrumento de lado por considerar que outros moradores poderiam classificar a ação como
"provocativa e violenta".
Já o apito é usado para "fazer
alarde em caso de roubo", diz o
comerciante Raul. "O celular
também está sempre com o 190
"na fita" para alguma coisa." O
grupo não tem linha direta com
a polícia e reclama que o atendimento do 190 é feito em Vitória e não em Guarapari.
As ruas do trajeto são de terra e nem todas têm iluminação.
Grandes sobrados dividem espaço com terrenos baldios.
Minutos depois de iniciada a
ronda, Raul e o aposentado
Marcos avistam um homem
com as mãos nos bolsos. Eles
param de falar e só se ouvem
cachorros. O homem se aproxima e, aliviados, eles reconhecem o vizinho. "Não dava para
ver que era você", dizem.
O trecho da ronda que mais
assusta o grupo é uma rua escura e de mato alto, próxima ao
lago do bairro. Mesmo assim, é
mais uma via a ser "cumprida",
como dizem os patrulheiros.
Não há escala nas rondas. Os
integrantes se telefonam e elegem quem está "menos cansado" naquela madrugada. Quase
todos os componentes não têm
que acordar cedo, por serem
aposentados ou donos de seus
próprios negócios.
As únicas normas das rondas
são: não há dupla de mulheres
e casais não saem juntos -para
não deixar a casa vazia.
Em três semanas de patrulhas, a milícia não enfrentou situações de risco. Dizem acreditar que, desde que a iniciativa
foi criada e divulgada, houve
aumento no policiamento e os
crimes diminuíram.
Durante o período que
acompanhou o grupo, a reportagem só observou um carro da
Polícia Militar, que pediu informações sobre um bairro
próximo.
Medo
Dois dias após a formação da
milícia, a polícia encontrou
dois corpos no bairro. Na mesma época, a frase "vagabundo
vai morrer" foi pichada em um
muro da região.
"Até surgiram comentários
de que a milícia poderia ter cometido o crime", disse a dona-de-casa Joana, que integra o
grupo. Nos dias seguintes a esses fatos, a milícia suspendeu as
rondas: seus integrantes estavam com medo e só voltaram às
ruas de Meaípe dias depois.
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