São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2007

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Milícia de classe média policia balneário

Grupo de moradores de Meaípe, bairro nobre de Guarapari, no Espírito Santo, patrulha ruas da região todas as noites

O objetivo é tentar aumentar a segurança das casas do bairro e chamar a atenção do Estado para o aumento de furtos no local

CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM GUARAPARI

Munidos de apitos, lanternas, celulares e comprovantes de residência, moradores de Meaípe, bairro nobre de Guarapari (região metropolitana de Vitória, ES), patrulham, em duplas, as ruas da região todas as madrugadas, da 0h às 6h.
Há cerca de um mês, essa é a rotina de um grupo de 20 moradores, formado por comerciantes, aposentados, estudantes e donas-de-casa, com idades de 20 a 67 anos.
O objetivo da autodenominada "milícia" é garantir a segurança das casas do bairro e chamar a atenção do Estado para o aumento de furtos no local.
Considerada região de "público diferenciado" e "uma das mais badaladas do Estado" pela Prefeitura de Guarapari, Meaípe atrai turistas por sua praia e por pratos como a moqueca capixaba, que pode custar mais de R$ 100. Segundo a prefeitura, cerca de 600 mil pessoas visitaram Guarapari no verão deste ano -não há dados por bairro.
Vitória é a segunda capital no ranking nacional da taxa de homicídios. Em Meaípe, moradores dizem que o problema é o aumento, nas últimas semanas, do número de roubos a casas, o que motivou a criação da milícia. Segundo a PM, houve 456 furtos em Guarapari nos quatro primeiros meses deste ano, contra 249 no mesmo período de 2006 -aumento de 83%.

Ronda
Na madrugada do último dia 3, a Folha acompanhou, por duas horas, uma ronda da milícia de classe média. Seus integrantes falaram sob a condição de não terem nomes e idades revelados.
O desempregado André (os nomes são fictícios), um jovem alto e forte, toma a dianteira. Com o dedo, traça um trapézio no ar, indicando a seqüência de ruas a serem percorridas.
Nas primeiras patrulhas, o grupo usava porretes para "defesa pessoal", mas deixou o instrumento de lado por considerar que outros moradores poderiam classificar a ação como "provocativa e violenta".
Já o apito é usado para "fazer alarde em caso de roubo", diz o comerciante Raul. "O celular também está sempre com o 190 "na fita" para alguma coisa." O grupo não tem linha direta com a polícia e reclama que o atendimento do 190 é feito em Vitória e não em Guarapari.
As ruas do trajeto são de terra e nem todas têm iluminação. Grandes sobrados dividem espaço com terrenos baldios.
Minutos depois de iniciada a ronda, Raul e o aposentado Marcos avistam um homem com as mãos nos bolsos. Eles param de falar e só se ouvem cachorros. O homem se aproxima e, aliviados, eles reconhecem o vizinho. "Não dava para ver que era você", dizem.
O trecho da ronda que mais assusta o grupo é uma rua escura e de mato alto, próxima ao lago do bairro. Mesmo assim, é mais uma via a ser "cumprida", como dizem os patrulheiros.
Não há escala nas rondas. Os integrantes se telefonam e elegem quem está "menos cansado" naquela madrugada. Quase todos os componentes não têm que acordar cedo, por serem aposentados ou donos de seus próprios negócios.
As únicas normas das rondas são: não há dupla de mulheres e casais não saem juntos -para não deixar a casa vazia.
Em três semanas de patrulhas, a milícia não enfrentou situações de risco. Dizem acreditar que, desde que a iniciativa foi criada e divulgada, houve aumento no policiamento e os crimes diminuíram.
Durante o período que acompanhou o grupo, a reportagem só observou um carro da Polícia Militar, que pediu informações sobre um bairro próximo.

Medo
Dois dias após a formação da milícia, a polícia encontrou dois corpos no bairro. Na mesma época, a frase "vagabundo vai morrer" foi pichada em um muro da região.
"Até surgiram comentários de que a milícia poderia ter cometido o crime", disse a dona-de-casa Joana, que integra o grupo. Nos dias seguintes a esses fatos, a milícia suspendeu as rondas: seus integrantes estavam com medo e só voltaram às ruas de Meaípe dias depois.


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