São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2010

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BARBARA GANCIA

Dale, Argentina!


Se o objetivo é tão somente o resultado, o que há de sobrar no caso de a seleção brasileira sair derrotada? Ora, nada

TENHO PAVOR do Dunga. Isso mesmo. Devo ter mais medo do técnico da seleção do que a Regina Duarte do sapo barbudo. Na Copa de 1994, quando o vi deter o talento dos adversários na base da cacetada, comecei a ter pesadelos de que Dunga trafegava a bordo de uma perua C-14 -ou terá sido um Ford Falcon?- a mil por hora na calada da noite. Não sei explicar, é coisa para o divã do psicanalista.
Se a gente for refrescar a memória, irá lembrar de que o aguerrido volante não era o capitão de escolha de lorde Parreira nos EUA. Essa honra cabia a Raí, que foi para o banco, e Dunga acabou recebendo o troféu das mãos de Al Gore.
O momento síntese de Dunga está eternizado em imagens de ódio e rancor. Quem esquece aquele "PQP!" quando ele ergue a Copa do Mundo de 1994? Que tipo de pessoa, no momento mais glorioso da carreira, lembra dos inimigos e não das pessoas que mais ama?
Na coletiva de imprensa em que anunciou os nomes dos 23 jogadores que irão para a África do Sul, Dunga citou a mãe algumas vezes. Lembrou que ela foi professora de história e de geografia e lhe deu grandes exemplos de patriotismo. Bem, que eu saiba, o tipo de patriotismo "ame-o ou deixe-o" que ele pregou na coletiva não se aprendia em história ou geografia, mas nas aulas de OSPB (Organização Social e Política Brasileira) da época do regime militar.
Isso ou então torço para que a mãe do técnico esteja viva e tenha ligado para ele depois da entrevista para dizer: "Filho, você não aprendeu patavina do que lhe ensinei".
Meu problema não é com a seleção de Dunga, coitadinhos, todos tão bonzinhos e cordatos. É com a mesquinharia. A aposta que ele fez é que me incomoda. Se você vai atrás apenas do resultado, sacrificando a alegria, o carisma e o chamado futebol arte para obtê-lo, o que irá sobrar no caso de a seleção sair derrotada? Ora, nada. Nem sequer um plantel para o futuro.
É por essas e outras que vou torcer pela Argentina na Copa. Não estou brincando, é uma experiência que tentarei colocar em prática. Não sei se conseguirei, mas pretendo experimentar. Causou-me tamanha má impressão esse flashback "90 milhões em ação" que Dunga quer promover, que resolvi tentar me despir de nacionalidade.
Atente: nós vamos com um time medroso e retranqueiro com sete volantes. A Argentina, ao que se sabe, vai com sete atacantes. O melhor do mundo, Lionel Messi, é deles, e Gonzalo Higuaín está fazendo mais gols no Real Madrid do que nosso Kaká -e não apresenta qualquer problema no púbis.
Tem mais: o céu certamente estará ao lado de Maradona. Além de contar com o apoio do Próprio, o técnico vai levar um Jesus (Dattolo) e um Angel (di Maria), excelente jogador do Benfica. E o time da Argentina, até o torcedor tapuia mais fanático há de admitir, é bonito de ver até na derrota.
Noutro dia, ouvi o Baggio dizer que ficou tão encantado diante da torcida do Boca Juniors cantando e batendo palmas num jogo na Bombonera em que o time perdia, que virou torcedor na mesma hora.
Pois vou tentar me "converter" também. Ao longo da Copa, presto contas aqui de como vai indo o experimento. Tudo pode acontecer. Mas uma coisa eu garanto: colocar Grafite, Luís Fabiano e Robinho no mesmo patamar de Romário, Ronaldo, Garrincha, Jairzinho, Tostão, Rivellino e Didi, não vai dar. De Pelé, então, a gente nem fala, senão eu começo a cantar um tango.

barbara@uol.com.br

twitter: @barbaragancia



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