São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

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MOACYR SCLIAR

O sumiço do Dunga


Mas se soubessem que Dunga se tornou treinador de uma seleção de futebol, ficariam com inveja

 

Fugindo do palácio, Branca de Neve correu bosque adentro; os pequenos animais da floresta a levaram até uma casinha no centro do bosque. Dentro, tudo era pequeno: mesas, cadeiras, camas. Por todo o lado reinava a desordem e tudo estava muito sujo. Ajudada pelos animaizinhos, ela deixou a casa toda arrumada e depois foi dormir. Ao anoitecer, chegaram os donos da casa. Eram os sete anões, voltando da mina de diamantes onde trabalhavam. Quando a princesinha acordou, eles se apresentaram: Soneca, Dengoso, Feliz, Atchim, Mestre, Zangado e Dunga. Dunga era o único que não tinha barbas e não falava.

DEPOIS QUE Branca de Neve casou com o príncipe, os anões voltaram à sua ocupação habitual, na mina de diamantes em que trabalhavam.
Na época, a localização dessa mina era mantida em segredo, mas hoje sabe-se que ficava na África do Sul, país que é grande produtor de diamantes. Tudo indicava que os anões voltariam à vidinha de sempre, deixando a casa desarrumada como de hábito e lembrando os bons tempos em que Branca de Neve estava com eles. Mas um dia, quando acordaram, tiveram uma surpresa: estava faltando um deles, o Dunga, que tinha levado suas coisas e partira, deixando um lacônico e enigmático bilhete: "Estou indo em busca de novos triunfos".
Os anões ficaram muito chocados. Zangado, fazendo jus ao nome, teve um ataque de fúria. Atchim começou a espirrar sem parar, como sempre lhe acontecia quando estava sob tensão emocional. Feliz, o conhecido otimista, tentou minimizar: vai ver que isto é uma brincadeira do Dunga, daqui a pouco ele está de volta, pedindo desculpas pelo susto. Dengoso, sentimental como sempre, pôs-se a chorar, e Soneca adormeceu, como sempre lhe acontecia em situações difíceis ("É uma fuga da realidade", explicara o terapeuta do grupo, sem, no entanto convencer os anões que eram muito céticos em relação a essas coisas). O único que manteve a calma foi, naturalmente, o Mestre, como sempre exercendo seu papel de sábio e de líder natural. "Vamos discutir a questão", propôs.
Havia dois pontos a esclarecer: primeiro, se os anões estavam dispostos a ir atrás de Dunga (sim foi a resposta unânime). Segunda questão: onde estaria Dunga?
Essas coisas aconteceram já há algum tempo e até hoje o destino de Dunga é, para seus companheiros, um mistério. Alguns acham que ele foi trabalhar em outra mina de diamantes, mais rendosa.
Como diz o Zangado: "Eu sempre desconfiei de um cara que não queria deixar crescer a barba e que não falava: alguma ele estava aprontando". Outros supõem que, apaixonado por Branca de Neve, Dunga teria ido atrás da moça com a esperança de arrebatá-la ao príncipe.
Essas possibilidades eles ainda podem aceitar. Mas se soubessem que Dunga se tornou treinador de uma seleção de futebol, ficariam com inveja - e furiosos. Sobretudo porque não podem se vingar: seis jogadores jamais formam um time, especialmente para competir em Copa do Mundo.

MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

moacyr.scliar@uol.com.br


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