São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 2006

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Sem ônibus, folga à força e atraso em vestibular

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem conseguir ônibus, Eliza Misawa, 17, se atrasou para o vestibular e viu seu sonho de entrar na faculdade ser adiado. Culpa do PCC. Sem funcionários no escritório nem escolinha para os filhos, o casal Patrícia e Adriano Grilo perdeu um dia de trabalho. Culpa do PCC. Sem compradores na rua 25 de Março, a Dra. Havanir, deputada estadual do PSDB, não teve a quem entregar seus santinhos. Tudo culpa do PCC.
Os moradores da capital viveram ontem um dia atípico: menos trânsito até o fim da tarde, mais policiais, nenhuma superlotação nos centros de compras. Não tinham o medo de sair de casa vivido nos atentados de maio, mas, sem ônibus, precisaram adaptar a rotina.
O telefone do casal Grilo tocou antes das 7h: era a escola dos filhos avisando que as professoras não conseguiram chegar ao trabalho. Pouco depois, foi a vez da secretária ligar para dizer que não havia condução para ir ao escritório. "Em vez de ficar estressado, resolvi tirar um folga forçado pelo PCC e passear", dizia Adriano, que tem uma fábrica de chocolate, curtindo a tarde no parque Ibirapuera com Caio, 1, e Carol, 3. "Amanhã [hoje] coloco o trabalho em dia. Não vou nem pensar no prejuízo."
Prejuízo maior tiveram os comerciantes que viram os clientes desaparecer de ruas de compras tradicionais. Na 25 de março, poucos ambulantes e muito espaço para quem resolveu ir às lojas. "Vim de lotação de Santo Amaro e não vendi nada ainda", contava Dalva Luz, 39, em um banca de bijuterias. "Esse PCC só atrasa a vida da gente, que precisa trabalhar."
Elegante em um tailleur vermelho, na outra calçada, Havanir Nimitz também tentava atrair "clientes" e distribuir adesivos. "A gente não pode parar nunca. Infelizmente chegamos a essa situação, mas não devemos nos intimidar."
Eliza, a vestibulanda de física médica, não se intimidou. Saiu de casa em Itaquera, zona leste, antes das 12h e andou mais de 40 minutos até chegar ao metrô, já que não havia ônibus. O esforço não deu certo. Ela chegou ao local de prova da Unesp, na zona oeste, às 14h10, dez minutos após o fechamento dos portões. "Graças ao PCC vou ter que esperar mais seis meses para tentar entrar na faculdade. Não é justo para quem leva a vida a sério." A Unesp informou que a prova será mantida.
Se para Eliza o PCC atrapalhou a vida, para o auxiliar de engenharia Renan Aguiar, 20, o dia foi de festa. Liberado do serviço, ele foi ao Anime Friends (um festival que mistura concurso de fantasias, shows e jogos de RPG), na zona norte, com sua fantasia a tiracolo. "Se saísse de casa com ela, seria morto com certeza." Explica-se: Renan passou a tarde de guerrilheiro, com uma touca na cabeça e um fuzil de plástico nas mãos. "Em época de atentado, a roupa fica perigosa."
Nenhum perigo nas roupas do São Paulo Fashion Week, na zona sul. Por lá, os ataques eram assuntos de poucas rodinhas. A maioria falava do mundo fashion, mesmo. Cristiane Rios, 24, que trabalha com eventos, conta que até ficou insegura ao sair de casa. "Mas foi só chegar aqui para esquecer o que está acontecendo lá fora. Não dá para São Paulo parar só porque os criminosos querem."
Da mesma opinião é o cantor Supla. Do outro lado da cidade, na zona norte, ele comemorava o Dia do Rock em um festival que durou mais de dez horas. "Tem que ficar esperto, mas a vida continua." Para garantir a segurança, só entrava no evento quem apresentasse documento, que era escaneado de ambos os lados, e deixasse sua foto registrada no computador.


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