São Paulo, terça, 14 de julho de 1998

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OPINIÃO
Menos do que 8, mais do que 80

BEN ABRAHAM

Passados mais de meio século do desmoronamento do Terceiro Reich, a revista "Oito ou Oitenta", editada pela Faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destaca uma página inteira a um artigo assinado por Renata Soares.
Em "Brasil: Ame ou Morra", um suposto entrevistado sugere para o Brasil um Adolf Hitler que "com certeza mataria todos os nordestinos".
Apesar de o entrevistado ter uma postura amena em relação aos judeus, dizendo que se Hitler tivesse conhecido os nordestinos não mataria os judeus, eu, como sobrevivente do nazismo, não posso ficar inerte a esse atentado contra os direitos do homem à vida.
A solução dos problemas brasileiros expressa no artigo é análoga à "solução final", que fez com que houvesse um extermínio em massa de judeus, ciganos e russos, considerados impuros pela insana teoria expressa por Adolf Hitler em seu livro "Mein Kampf" ("Minha Luta").
É lamentável que aqui no Brasil, país em que seus habitantes são praticamente todos descendentes de imigrantes, uma revista, distribuída gratuitamente aos universitários, glorifique Hitler colocando como exemplo a sua plataforma política, inclusive o extermínio em massa.
Lendo esse artigo publicado numa revista de uma das mais conceituadas universidades brasileiras, confesso que fiquei absolutamente estarrecido.
Lembrando das câmaras de gás e dos crematórios em Auschwitz, a minha inicial perplexidade cedeu lugar a uma revolta contra os editores da referida revista, que permitiram uma publicação anônima, uma vez que o entrevistado, conforme a autora do artigo, não queria ser identificado.
Em resposta a uma carta de protesto de minha autoria, o reitor da Pontifícia Universidade Católica, Antônio Carlos Caruso Ronca, expressou seu repúdio a esse manifesto neonazista.
Ele prometeu tomar todas as providências cabíveis para que as responsabilidades sejam apuradas e cobradas de acordo com os princípios estatutários da universidade.
Vivemos em um país democrático em que, com o fim do regime militar, a censura foi abolida.
No entanto, é sempre bom lembrar que há diferenças entre a democracia e a anarquia, entre a livre expressão de pensamento e o incentivo a um ódio cego que, como aconteceu na Alemanha nazista, ninguém pode prever quais consequências pode gerar.


Ben Abraham, 73, jornalista e escritor, é vice-presidente da Associação Mundial dos Sobreviventes do Nazismo



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