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HISTÓRIA AMEAÇADA
Sem preservação, documentos de um dos principais indigenistas do país, morto em 2002, ainda esperam memorial
Legado de Villas Bôas se deteriora em SP
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Quadros de artistas famosos,
peças raras de arte indígena e documentos importantes da história
do país que retratam a ocupação
do centro-oeste. Essa poderia ser
a descrição de um museu, mas é
apenas parte do que se encontra
na casa de Marina, 68, viúva de
Orlando Villas Bôas -um dos
principais nomes da questão indígena no Brasil-, morto em 2002.
Justamente por não estar em
um museu, porém, o acervo reunido pelo indigenista ao longo de
seis décadas tem se deteriorado.
"Há cartas que meu pai trocou
com [os antropólogos] Darcy Ribeiro e Claude Lévi-Strauss que
estão se esfarelando", diz Noel Villas Bôas, 30, filho de Orlando.
As propostas apresentadas à família em relação ao acervo, até
agora, não foram aceitas por não
serem sustentáveis, explica Marina. "Estudei o assunto e vi que
não valia a pena abrir um lugar
que seria fechado logo depois."
A intenção da família é expor o
material num memorial que seria
instalado no parque que deve
substituir a usina de compostagem da Vila Leopoldina, zona
oeste de São Paulo. A transformação do local em parque, porém,
ainda não tem data certa, o que,
por conseqüência, mantém indefinida a proposta do memorial.
"Só quando tivermos uma coisa
real na mão é que poderemos correr atrás de parcerias e da captação de recursos", diz Gláucia Prata, presidente do Movimento Popular da Vila Leopoldina.
Sem o apoio de nenhum órgão
de preservação, a família tenta
conservar como pode preciosidades como os diários escritos por
Orlando Villas Bôas durante a expedição Roncador-Xingu (1943-1960), criada pelo presidente Getúlio Vargas para garantir a soberania do país no centro-oeste, até
então praticamente inexplorado.
Após fingirem ser sertanejos
analfabetos -já que os moradores da cidade eram considerados
muito frágeis para a missão-, os
irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas foram aceitos
na expedição, que abriu mais de
1.500 km de picadas, explorou
mais de 1.000 km de rios, descobriu seis rios e encontrou 14 aldeias indígenas no Xingu.
Com o apoio do marechal Cândido Rondon, os Villas Bôas impediram a matança dos índios e
iniciaram a primeira ação política
voltada à preservação da cultura
indígena, o que levou à criação do
Parque Nacional do Xingu, em
1961, ano em que Leonardo morreu. Cláudio (que morreu em
1998) e Orlando foram indicados
duas vezes ao prêmio Nobel da
Paz por sua ação com as comunidades indígenas.
"O trabalho deles foi inédito",
afirma a antropóloga Carmen
Junqueira, professora da PUC
(Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Para ela, o governo federal deveria montar um
museu para abrigar o acervo. "Essa coleção é gigante, a maior de
objetos xinguanos do mundo e
uma representação do desbravamento do centro-oeste do país."
As maiores coleções de arte indígena estão hoje fora do país,
afirma a arqueóloga Cristiana
Barreto, que participou das curadorias das exposições "Brasil Indígena", realizada neste ano em
Paris como parte do ano do ""Brasil na França"; "Amazônia Desconhecida", realizada em 2002 na
Inglaterra, e da "Brasil 500 Anos",
que percorreu o país em 2000.
"As peças indígenas mais antigas da "Brasil 500 anos" vieram todas de fora", diz Barreto. São objetos difíceis de conservar, diz ela,
por utilizarem material orgânico.
Inacessível
O cuidado da família Villas Bôas
com o acervo termina resultando
na inacessibilidade desse material, mesmo a pesquisadores. Cerca de 80 peças, especialmente fotografias, costumam ser emprestadas para exposições temporárias. A maior parte, porém, fica
guardada. A família não tem noção da quantidade do material.
"Temos que ter um certo resguardo. Pode parecer egoísta,
mas, se abrirmos o acervo para
pesquisa, em dois anos tudo isso
acaba. Já perdemos muita coisa.
Meu pai emprestou fotos e filmes
que hoje ninguém sabe onde está", diz Noel, para quem as peças
mais valiosas são os chinelos e o
barbeador que seu pai usava.
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