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MOACYR SCLIAR
Casal a bordo
Cada viagem era um suplício; não relaxava, ficava o tempo todo de olhos arregalados, vigiando as aeromoças.
Porta de avião da TAM cai durante vôo
para o Rio. A porta da frente de um avião
Fokker 100 da TAM caiu durante um vôo
para o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, que decolou às 13h47 do aeroporto
de Congonhas, em São Paulo. De acordo
com a assessoria da empresa, a porta
caiu em um supermercado da rede Extra
na avenida Ricardo Jafet, no Ipiranga,
zona sul de São Paulo. Não houve feridos.
"Todo mundo entrou em pânico. Uma
aeromoça que estava perto da porta ficou toda descabelada, se segurando para
não cair do avião", conta a estudante Camila Silva, 24 anos. Folha Online, 8 de agosto.
Depois de muito tempo, o casal
ia viajar junto, de avião. Uma
perspectiva que ao marido,
na verdade, não agradava muito.
Viajante habitual, com uma milhagem de fazer inveja a qualquer alto
executivo, o avião era para ele coisa
de rotina: gabava-se até de conhecer
os comandantes pelo nome. Mas
com a mulher era diferente. Porque
a coitada tinha medo de avião. Pânico, para dizer a verdade. Cada viagem era um suplício; não relaxava,
ficava o tempo todo de olhos arregalados, vigiando as aeromoças e interpretando qualquer solavanco como sinal de um desastre imediato.
Quem pagava o pato era o marido,
claro: ela não o deixava em paz. De
modo que, tão logo tomaram assento, ele abriu o jornal e mergulhou na
leitura, o que implicava um recado
muito claro: mulher, não me encha o
saco.
Logo depois da decolagem, contudo, ela o cutucou: estou sentindo um
vento muito forte, disse. Ele, sem tirar os olhos do jornal, replicou:
- Ora, mulher. Isto é o sistema de
refrigeração do avião. Você não notou que está fazendo muito calor?
Por favor, me deixe ler o jornal.
Por alguns segundos ela ficou em
silêncio. Mas logo em seguida voltou
à carga:
- Estou achando estranho aquela
aeromoça lá na frente.
- Ai meu Deus -gemeu ele. - Já vi
que ler este jornal será missão impossível. O que há de errado com a
aeromoça?
- Está toda descabelada.
- E daí? Vai ver que isso agora é da
moda, andar descabelada. Problema
dela, mulher. Por favor, me deixe ler
o jornal.
Voltou à leitura. Mas 30 segundos
depois ela agarrou o braço dele:
- Desculpe lhe incomodar, mas o
avião está com a porta aberta. Tenho
certeza de que está com a porta
aberta.
Ele teve de rir:
- Claro, mulher. Então você não
sabe que agora é rotina? Antes mesmo de o avião pousar eles já vão
abrindo a porta. É para facilitar o desembarque, entendeu? Assim a gente ganha tempo.
Ela hesitou:
- É que o pessoal parece meio assustado...
Pela primeira vez, desde que
haviam decolado, ele tirou os olhos
da página impressa . E aí começou a
gritar:
- Meu Deus! O avião está com a
porta aberta! Faz alguma coisa, mulher, pelo amor de Deus, faça alguma
coisa! Reze! Você que é religiosa, reze para todos os seus santos!
Ela tentava, inutilmente, acalmá-lo. Mas não o conseguiu. Quando o
avião pousou, felizmente sem problemas, ele estava em estado de choque. E bradava, para quem quisesse
ouvir, que daí em diante só voaria no
14-Bis, do Santos Dumont. Um avião
que, pelo menos, não tinha porta.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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