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URBANIDADE
O Tietê é um espetáculo
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
A ntônio Araújo tinha 15
anos de idade quando
veio de Araguari, uma pequena
cidade do interior de Minas, a
São Paulo. Era um domingo, o
dia estava cinzento e frio -o cenário combinava com seu estado
de espírito. "Morria de medo,
não sabia como enfrentaria a
agitação, a violência, a solidão."
Estimulado pelos pais, ele iria
morar sozinho numa pensão do
Bexiga e se preparar para tentar
entrar em uma faculdade de medicina. O medo se desfez naquela
mesma semana da chegada: assistiu em três dias a três peças de
teatro. "Nunca tinha visto atores
profissionais."
Desde então, a cidade foi-lhe
apresentando os mais diversos
palcos para suas experiências.
Descartou logo a medicina. "Era
um desejo só de meus pais." Tentou até cursar direito
-"Odiei"- e jornalismo. Até
que se encontrou na paixão pelo
teatro, intuída logo em seus primeiros dias no Bexiga. Como um
dos criadores do Teatro da Vertigem, montou palcos em espaços alternativos, como igrejas,
hospitais e até presídios -mas
nada tão ousado quanto o cenário que está preparando.
A partir do próximo mês, atores exibirão uma peça em trechos das margens do rio Tietê,
acompanhados por uma platéia,
devidamente vestida com coletes
salva-vidas, a bordo de um barco em movimento. Tudo isso para transmitir a sensação de uma
expedição pelo interior do Brasil.
"Estamos quebrando a cabeça."
Além da montagem de vários
cenários, usando pontes e plataformas, e da platéia ambulante,
existe o receio de que as pessoas
não se dignem de ir até o rio fétido, poluído, cercado pelas congestionadas e barulhentas marginais. "Estamos apostando que
não chova forte." Uma aposta
arriscada, se considerarmos o
clima da cidade. Neste ano, o rio
teve uma enchente que alagou,
como nunca se viu, vários bairros de seu entorno. "Vale a pena
tentar essa ousadia."
Há todo um simbolismo no
Tietê: de rota para a conquista
das riquezas do interior do país
a cenário de degradação, miséria e violência. Mas também de
aposta de que algo, apesar de tudo, pode ser feito -inclusive
uma peça teatral cercada de sujeira e de barulho, num dos últimos lugares em que os paulistanos estariam dispostos a se entreter. Para Antônio, esse era o
cenário que imaginava definitivo naquele domingo cinzento
em que chegou a São Paulo, mas
foi salvo pelos palcos.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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