|
Próximo Texto | Índice
Verba da saúde paga almoço de preso e farda
16 Estados usaram dinheiro da saúde em outras finalidades; R$ 3,6 bi foram desviados em 2007, valor suficiente para construir 70 hospitais
Os governos que ficaram mais longe dos 12% determinados pela Constituição foram os do RS (3,75%) e MG (7,09%)
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
Por causa de uma brecha na
lei, 16 Estados deixaram de
aplicar R$ 3,6 bilhões em hospitais, remédios, exames e outras ações de saúde em 2007.
A Constituição determina
que os Estados devem destinar
à saúde no mínimo 12% de suas
receitas próprias. Para atingir o
percentual, a maioria dos governadores, porém, "maquiou"
seus balanços contabilizando
gastos que não foram propriamente com saúde pública.
O Rio, por exemplo, contabilizou como gasto em saúde os
restaurantes populares e a despoluição da baía de Guanabara.
O Paraná incluiu o uniforme de
policiais militares e a merenda
das escolas. Minas Gerais calculou um programa de financiamento da casa própria.
Goiás, a ampliação da rádio, da
TV e da gráfica estadual.
O Ministério da Saúde passou um pente-fino nas prestações de contas, eliminou tudo
aquilo que não era ligado ao Sistema Único de Saúde e constatou que, na realidade, a maioria
dos Estados não cumpre a
Constituição. Dos 27 governadores, segundo o relatório recém-concluído, 16 aplicaram
menos que os 12% obrigatórios.
Incluíram nas contas da saúde, para citar mais exemplos,
tratamento de esgoto, plano de
saúde dos funcionários estaduais, aposentadoria dos servidores da saúde, alimentação de
presidiários e programas sociais do estilo Bolsa-Família.
Os subterfúgios tiraram da
saúde em 2007 dinheiro suficiente para sustentar o programa brasileiro de Aids por quase
três anos. Com esses mesmos
R$ 3,6 bilhões poderiam ser
construídos 70 hospitais de
médio porte (200 leitos).
Sem punição
Os governos que ficaram
mais longe dos 12% foram os do
Rio Grande do Sul (3,75%) e de
Minas Gerais (7,09%).
São Paulo investiu 11,75%,
segundo a auditoria. O Estado
protestou dizendo que o Viva
Leite, programa que dá leite a
famílias pobres, é ação de saúde. O ministério aceitou o argumento, e SP chegou aos 12%.
Os governadores que desrespeitam a norma, porém, jamais
são punidos. O mínimo de 12%
entrou na Constituição no ano
2000, pela emenda constitucional 29. O problema é que o
texto é genérico e deixa margem para que Estados e seus
Tribunais de Contas façam interpretações subjetivas. Com a
baía de Guanabara limpa, por
exemplo, argumenta o Rio, menos pessoas adoecem.
Um projeto de lei que diz
exatamente o que é investimento em saúde e também o
que não é está em análise no
Congresso Nacional. A tramitação se arrasta desde 2002.
Com o objetivo de orientar os
governantes, o Conselho Nacional de Saúde, ligado ao Ministério da Saúde, aprovou uma
resolução com os mesmos termos do projeto de lei. O texto,
porém, não tem força de lei.
Com o projeto de lei aprovado e a ambiguidade resolvida,
os Estados poderão deixar de
receber verbas da União e até
sofrer intervenção federal; e os
governadores, ser processados
por crime de responsabilidade.
O problema é que o mau
exemplo vem de cima. O próprio Ministério da Saúde, que
também tem investimentos em
saúde pública fixados pela
Constituição, deixou de aplicar
R$ 5,48 bilhões entre 2001 e
2008, segundo o Ministério Público Federal.
O presidente do Conselho
Nacional de Saúde, Francisco
Batista Júnior, diz que os Estados têm "deliberadamente"
deixado de cumprir o mínimo
fixado pela Constituição. "Sempre ouvimos os diversos atores
[governo e congressistas] dizendo que são a favor da aprovação da regulamentação da
emenda 29, mas isso nunca
acontece. É constrangedor."
Próximo Texto: Frase Índice
|