São Paulo, terça-feira, 14 de setembro de 2010

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JAIRO MARQUES

Portadores de quê, menino?


Pior do que usar termos que não significam nada é tratar os deficientes como pessoas à parte

FOI EM UMA DESSAS livrarias que vendem quase tudo, menos romance "Sabrina", não sei a razão, que vi a placa com os dizeres: "Fila reservada para portadores de deficiências especiais".
Fiquei sem saber se era ali mesmo que eu deveria pagar o meu carnê ou se aquele era um local reservado para uma nova raça de gente, tipo os "Navis", do "Avatar". Mesmo ressabiado, notei que estava na fila certa, apesar da denominação um tanto exótica.
Esse negócio de "necessidades especiais" já saiu de moda há mais tempo que o pirulito Dip-Lik, aquele que vinha com um pozinho azedo e só criança mesmo para achar gostoso. Agora, portador de deficiências especiais já é caso de pedir a internação do redator porque ele pirou geral.
Promover a acessibilidade e dar condições a todos de ter vida social, cultural e profissional não tem nada de "especial", é básico, é direito.
Penso também que uma rampa, um elevador, uma sinalização não atende apenas quem tem deficiência, mas também aos idosos, aos carrinhos de bebê, aos carrinhos de supermercado, às carriolas de pedreiros, aos engessados, aos lascados em geral.
E será que alguém sabe me explicar o que é portar uma necessidade? Eu, como diria minha tia Filinha, "difinitivamente", não sei o que significa. Nunca ouvi ninguém dizendo: "Nossa, estou portando uma necessidade incrível de urinar".
Criar termos pomposos, a meu ver, é puro eufemismo e só distancia mais ainda dos ditos normais as pessoas com deficiência -termo considerado objetivo e adequado pela ONU em convenção ratificada pelo Brasil.
Assim, quem é cego não é "desprovido da luz do viver" ou quem é surdo não é "portador de inabilidade auditiva". Quem usa cadeira de rodas é cadeirante, palavrinha simpática e que facilita o entendimento de que, junto do ser vivente, irão mais quatro rodas.
Lá em casa e entre o povo do mundo paralelo, a Matrix onde foram enfiados os deficientes, os termos são mais desleixados e debochados: "mal-acabados", chumbados, lesadinhos, tortinhos, esgualepados, estropiados. Mas, na formalidade, em designações genéricas, usar cego, surdo, cadeirante ou pessoa com deficiência é mais bem-aceito.
Pior do que usar termos que não significam nada, porém, é tratar o povo deficiente sempre como pessoas à parte da realidade comum de uma sociedade. Por exemplo, no horário eleitoral gratuito, é batata ouvir candidatos relinchando: "Vou fazer hospitais superbacanas para vocês, portadores de necessidades especiais". Ah, "fafavor'".

 

No próximo domingo, na orla da praia de Copacabana, no Rio, vai rolar um ato mais imperdível do que jogo de biriba em dia chuvoso.
Um montão de abatidos da guerra -uns de cadeira de rodas, uns puxando cão-guia, outros com o escutador de novela prejudicado- e também aqueles com a lataria em perfeito estado vão protestar por mais acessibilidade na "Cidade Maraviwonderful".
Promovida pelo Movimento Superação -ONG que está na labuta para tentar convencer o poder público e a população a consertar as ruínas que são as calçadas deste país, entre outras frentes de batalha-, a passeata sai do Posto 5, às 10h.

jairo.marques@grupofolha.com.br

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