São Paulo, segunda, 14 de setembro de 1998

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COTIDIANO IMAGINÁRIO
Em resposta a seu pedido

MOACYR SCLIAR

FHC diz que Brasil está no limite e pede ajuda externa. Dinheiro, 10.9.98


"Senhor presidente: em primeiro lugar, desejo agradecer a mensagem por V. Excia. a mim dirigida. Muito me desvanece que o senhor tenha se lembrado de mim (ainda que, sou obrigado a notar, as circunstâncias o tenham obrigado a tal). A propósito, sua idéia de estabelecer um canal direto de comunicação entre nós está funcionando perfeitamente. Posso acompanhar a situação monetária em seu país em tempo real, se o trocadilho me é permitido.
Seu pedido de ajuda foi por mim cuidadosamente estudado. Reconheço que está bem fundamentado. Reconheço que o senhor está lidando com imponderáveis, e que, em matéria de imponderáveis sou -modéstia à parte- autoridade. Ninguém melhor do que eu, senhor presidente, para corroborar a assertiva segundo a qual tudo o que é sólido se desmancha no ar. Tenho visto impérios ruírem, senhor presidente. Impérios poderosos, dirigidos por monarcas famosos. Portanto, a atual situação não me surpreende. Sic transit gloria mundi.
Voltando, porém, a seu pedido: receio não poder atendê-lo. Entenda: não é má vontade. Tenho pelo senhor a maior simpatia. No passado, e quando minhas múltiplas atividades o permitiam, fui um leitor assíduo de seus livros. É verdade que, em certa ocasião, o senhor manifestou dúvidas quanto à minha existência, mas fui suficientemente generoso para atribuir o seu pronunciamento a uma pressão momentânea. Não se trata, portanto, de revide. O problema, senhor presidente, é que a ajuda pelo senhor solicitada ultrapassa até mesmo os meus poderes. Talvez essa afirmativa o surpreenda, minha onipotência tem sido tomada como fato inconteste, mas fatos novos surgiram, fatos que abalaram minha autoconfiança. Não me sinto seguro no cenário atual. A Bolsa de Valores -o que é aquilo, senhor presidente? Diga, o que é aquele desvario, aquela loucura? É demais, senhor presidente, é demais. Até para mim é demais.
Não, não posso me envolver nessas coisas. Conter o fluxo e refluxo de capitais? De maneira alguma. Posso até abrir as águas do mar -pergunte ao Moisés-, mas deter investimentos voláteis é, acredite, missão impossível. Peça qualquer coisa, menos isso.
Não me queira mal. Continue a me prestigiar com sua atenção. Do seu,
Deus,
P.S. - Apesar de tudo, continuo brasileiro. E não pretendo abandonar o país."


O escritor Moacyr Scliar publica às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal




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