São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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Fraternidade separa líderes dos perdedores nos EUA

Universitário de Harvard relata quais códigos de aceitação (e rejeição) regem as associações estudantis nos Estados Unidos

Grupos expressam diferenças entre os sistemas de educação dos EUA e do Brasil

MATTHEW BLUMENTHAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Algumas destas instituições são mais velhas que o Brasil independente. Outras têm grandes mansões e fundos de milhões de dólares.
As fraternidades (em inglês, "fraternities" ou "frats") expressam diferenças básicas entre os sistemas de educação dos EUA e do Brasil: a relevância da moradia como parte fundamental da experiência universitária nos EUA e a necessidade dos jovens de se organizar em grupos, separando a vida universitária em dois times: "popular" e "zé-ninguém".
Uma fraternidade é constituída por pessoas que moram juntas e criam regras, organizam festas, guardam rituais secretos -e bebem muito. São supervisionadas por grupos de formados que fazem questão de manter vínculos com a universidade em que estudaram.
As fraternidades sempre atiçaram a imaginação dos americanos. A comédia "Clube dos Cafajestes" (1978), de John Landis, foi um ícone cultural para a geração dos pais dos alunos de hoje, baseada na barulhenta Casa Delta, uma fraternidade da faculdade Dartmouth, em New Hampshire. Nesta temporada, o canal ABC transmite, apenas para os EUA, a série "Greek", sobre alunos e "perigos" das fraternidades.
Mas por que esse sistema é tão popular? Uma das respostas é a tradição, que data do século 18. A Flat Hat Club (em inglês, clube do chapéu plano) é considerada a primeira fraternidade de uma universidade americana. Foi fundada em 1750, na Faculdade de William e Mary, em Virgínia.
Naquele período, a idéia das fraternidades havia sido importada de associações secretas européias, como os maçons e as organizações estudantis da Alemanha. Clubes sociais similares, como Whig e Chliosophic (1760), em Princeton, e o Clube Porcellian (1791), em Harvard, vieram logo em seguida.
Depois da Guerra Civil (1861-1865), as "frats" cresceram rapidamente nos EUA. "O fato de termos uma sociedade que organiza muitos grupos de voluntários ajudou na proliferação das fraternidades", diz Theda Skocpol, socióloga de Harvard.
"Em matéria de residência no campus, pertencer a uma fraternidade é um sinal de distinção social. As fraternidades são espaços de sociabilidade, mas, acima de tudo, ampliam o capital social do estudante por meio de redes de contato com colegas de outras universidades e ex-alunos", explica Arabela Campos Oliven, professora de sociologia da educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autora de um estudo comparativo entre os "colleges" americanos e as universidades brasileiras.
Fraternidades e seus membros são importantes não somente na organização de festas -sua imagem mais popular, especialmente no cinema-, mas também em outras atividades do campus. Segundo Joseph Richey, presidente da Sigma Alfa Epsilon, da Universidade Estadual da Pensilvânia, os membros das fraternidades representam 11% dos alunos da faculdade e ocupam 80% das posições de liderança no campus -sem esquecer das festas.
"Costumamos fazer grandes festas temáticas na casa [sede] ou num bar", diz Scott Lappin, membro da Phi Psi, da Universidade de Miami em Ohio. "Também tenho ido a jogos de beisebol com 80 amigos ou feito camping com mais de 150 pessoas. Há dois anos, falei que voltaria para casa, por um fim de semana, e disse a 35 homens que eram bem-vindos. Trinta foram, e desde então tem sido uma tradição", explica.

No Brasil não "pegou"
A vida social da faculdade no Brasil não é tão organizada assim. "Eu diria que 60% dos alunos da USP saem regularmente. Mas saem na hora, sem fazer planos", diz Renata Gukovas, organizadora de baladas da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), da USP, no ano passado. "Para nós, os "gerentes", a vida social é organizada; para os alunos, em geral, não é."
Para Arabela, "o caráter profissional e elitista da educação superior no Brasil, durante muito tempo, assegurou a seus graduados uma inserção privilegiada no mercado de trabalho, dispensando a formação de uma rede mais organizada de contatos, como o modelo das fraternidades."
As faculdades brasileiras têm características diferentes das americanas. Com 80.000 alunos, por exemplo, a USP tem quase o dobro do número de estudantes das maiores universidades dos EUA. Há mais mistura de faixas etárias nas faculdades brasileiras e a maioria dos alunos não mora no campus.
Scott Godwin, da Sigma Alfa Epsilon, é franco sobre as razões pelas quais se associou. "São excelentes para sair e conhecer um monte de gente. Não existe um minuto de tédio quando se está morando com seus melhores amigos sem nenhuma figura de autoridade."

Violência fraterna
Mas é exatamente esse excesso de autonomia que pode trazer problemas. Bebedeiras, "hazings" (os trotes violentos) e acusações de discriminação racial passaram a fazer parte do currículo das associações.
A morte de Scott Krueger, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), teve ampla repercussão nos EUA, em 1997. Ele se afogou no próprio vômito após uma bebedeira forçada na iniciação de uma fraternidade e morreu três dias depois. Hoje, 44 Estados dos EUA têm leis contra trotes desse tipo.
Joseph Richey, presidente da fraternidade SAE, da Universidade Estadual da Pensilvânia, diz que esses problemas não representam a rotina das fraternidades. "O resto de nós trabalha todos os dias para lutar contra esses estereótipos", diz.
Alguns não concordam. "O "hazing" sempre vai acontecer", falou, sem querer se identificar, o líder de uma fraternidade da Universidade de Miami, em Ohio. "Pode ser cruel, desnecessário e perigoso. Você tem de entrar sabendo quem é -e o que você tolerará- para que possa ir embora se for preciso."
Para os "irmãos" entrevistados, a fraternidade fornece sentido também após a faculdade. Scott Godwin, por exemplo, diz ter certeza de seus planos: "Vou ser amigo dos rapazes pelo resto da minha vida".


Matthew Blumenthal, 21, é aluno do curso de história e literatura americana, em Harvard


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