|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
MINHA HISTÓRIA
KÊNIA RIO, 45
GRANDE CAUSA
Muita gente acha que anão é coisa de conto de fadas Se fizeram adaptações para cadeirante e cego, por que não para anões?
RESUMO
A anã Kênia Rio mede 1,23 m e é presidente da Associação de
Nanismo do Rio, que reúne mais de 300 anões. Ela
faz palestras pelo país e já
esteve até com o presidente Lula. Kênia fala da luta
para vencer o preconceito
e propõe um tratamento
mais politicamente correto para os anões no país.
(...)Depoimento a
MARCELO BORTOLOTI
DO RIO
Meu pai era anão. Foi o primeiro da família com o problema, já que meus avós e
tios eram altos. Quando se
casou com uma mulher de
estatura normal, teve três filhos, todos anões. Dizem que
se o pai ou a mãe tem nanismo, há 50% de chance de o filho ter o mesmo problema.
A matemática nem sempre
funciona. Infelizmente temos poucos médicos que estudam isto. Eu e meus dois irmãos nos casamos com pessoas de estatura alta. Os três
filhos que tivemos nasceram
com nanismo. Nossa família
está na terceira geração.
Nem sempre é fácil para
um anão lidar com sua deficiência. Só fui lidar melhor
com isso adulta. Aos 22, grávida, fiquei apreensiva e torcia para que meu filho não
fosse anão. Mas o medo também era imaturidade.
Hoje meu filho está aí, bem
empregado e faz faculdade
de direito. Se tivesse 20 filhos
anões não teria problema nenhum. Sempre digo que ele
precisa ser o melhor. Se ele
for o melhor, ou chegar próximo disso, terá mais oportunidades de escolhas profissionais e de relacionamento.
CONQUISTAS AMOROSAS
A adolescência é a fase
mais difícil. Você ouve muito
"não". Eu estudei num colégio onde tinha amigas lindas
e maravilhosas que namoravam e eu não. Esse não é só o
meu caso, é o de milhões.
Logo cedo percebi que deveria ser uma pessoa mais inteligente porque a conquista
se daria pelo lado intelectual,
e não pela beleza. Eu nunca
fui conquistada, conquistei.
Nunca foi amor à primeira
vista. Você chegar para um
homem de estatura alta e
convencê-lo que é normal
andar com uma anã é difícil.
Às vezes ele até aceita, mas
não basta. Meu marido, aliás,
meus três maridos, porque
fui casada três vezes, sofreram preconceitos terríveis.
O ser humano é cruel. Ele
ridiculariza, faz piadas.
Às vezes me perguntam
por que eu não quis me casar
com uma pessoa baixa, com
um anão. É porque na minha
época eu não via. Hoje eu vejo mais anões pelas ruas.
ASSOCIAÇÃO DE ANÕES
Quando me formei em direito, não havia cotas para
deficientes nas empresas. E
ninguém queria trabalhar
com uma anã. Fiz várias entrevistas e fui rejeitada de cara. Percebi que o que me restava era ser operária do direito. É o que faço há 21 anos.
Hoje tenho escritório próprio e dirijo a associação dos
anões do Rio. Existe outra associação em São Paulo e uma
está sendo criada no Ceará.
No Rio, eu promovo encontros para irmos em grupo
ao cinema, fazemos festas juninas... Claro que a gente tem
que evitar determinados ambientes, porque a sociedade
não está preparada. Você
não vai levar um grupo de
anões para um baile funk.
A maior parte das pessoas
ainda acha que todos os
anões trabalham em circo.
Mas muitos estão em grandes
empresas. A associação recebe telefonemas de empresas
bacanas querendo contratar.
Faço palestras pelo Brasil
para desmistificar a questão.
Só que existem coisas na televisão, como aquela história
do "Pedala Robinho", do
programa "Pânico na TV",
em que o sujeito dá um tapa
na cabeça do anão. Leva a
coisa para a brincadeira e
atrapalha o nosso trabalho.
Muitas crianças anãs começaram a receber tapas na
cabeça no colégio depois disso. Até adultos sofrem. Se o
cara está ali se vendendo por
R$ 100, o problema é dele.
Mas ele tem de ter consciência, e o produtor do programa também, que estão levando aquilo para muita gente.
ACESSIBILIDADE
Quando saímos em público, queremos também dizer
para os arquitetos e projetistas que existem pessoas com
dificuldade de alcançar a pia
ou o mictório. Se fizeram
adaptações em áreas públicas para cadeirantes, cegos e
surdos, por que não para
anões? Imagina você ficar
duas horas no cinema com os
pés pendurados na cadeira?
Não há mobília adequada.
SAÚDE
Está nascendo muito
anão. E as mães não sabem o
que fazer. Os anões têm uma
temperatura quente, acima
do normal, não podem tomar
anestesia geral, têm problemas de diabetes na gravidez,
câimbras terríveis e outros
problemas que os médicos
desconhecem.
Meu sonho é que o Brasil
seja um modelo para a questão da saúde dos anões. Estou trabalhando num projeto
para montar uma equipe médica especializada.
Quando eu vou às palestras e digo que qualquer um
pode ter filho anão, as pessoas ficam apavoradas. Já
ouvi caso de uma mãe que,
na ultrassonografia, quando
o médico disse que ela teria
um filho anão, ficou chocada
e perguntou: "Como assim?". O médico respondeu:
"Sabe aqueles anões de circo?". Até hoje chora quando
conta isso. A ignorância vista
por aí é muito grande.
Texto Anterior: Gilberto Dimenstein: A rua mais interessante do Brasil Próximo Texto: Infecção hospitalar mata 11 bebês no DF Índice | Comunicar Erros
|