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INFÂNCIA
Há pelo menos 17 transtornos que podem ser parecidos com a hiperatividade; falhas atrasam tratamento correto
Diagnóstico errado leva a excesso de remédio
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um excesso de diagnóstico errado dos transtornos de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH)
com indicação inadvertida de remédios. Seria essa a principal razão para o aumento das vendas da
chamada "droga da obediência",
na opinião de especialistas.
Há pelo menos 17 transtornos
que podem ser parecidos com o
TDAH -como a ansiedade, a
dislexia, o autismo e o transtorno
bipolar- e que são, muitas vezes,
diagnosticados como tal, levando
ao aumento da medicalização e,
ao mesmo tempo, provocando
efeitos colaterais indesejáveis e
atrasos no tratamento correto.
O médico Fábio Barbirato, chefe da psiquiatria infantil da Santa
Casa do Rio de Janeiro, conta o
caso de uma garota que foi diagnosticada como portadora de
TDHA, quando na realidade tinha transtorno bipolar. "Os sintomas iam de euforia e inquietude a
explosões de raiva e sexualidade
aumentada. O remédio piorou o
estado de saúde dela."
Segundo Barbirato, há muitos
"achismos" sobre TDAH praticados por profissionais que não estão atualizados sobre a doença.
Essa prática estaria levando a uma
banalização do transtorno.
O neurologista infantil Saul
Cypel, da Academia Brasileira de
Neurologia, concorda. "Vários
equívocos têm ocorrido. Há, inclusive, casos de crianças normais
sendo classificadas como
TDAH." Isso, afirma, leva a um
excesso de medicamentação.
"Muitos casos poderiam ser
conduzidos com outras orientações terapêuticas, como terapia. A
medicação é indicada para algumas crianças, temporariamente,
mas não para a maioria", diz ele.
O caso de Laura, 14, é um exemplo. Há cinco anos, seus pais tiveram a confirmação de que ela tinha TDAH e começaram o tratamento com o remédio. "Ela não se
adaptou. Perdia o apetite, não
dormia e ficava depressiva. Depois de seis meses, resolvemos parar e ficar só com a terapia."
Hoje, Laura está melhor e mais
confiante. "Resolvemos até mudá-la de escola. Será seu novo desafio, e espero que continue dando certo sem nenhum remédio."
Para o neuropediatra Mauro
Muszkat, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), muitas
crianças com sintomas de hiperatividade sofrem, na realidade, de
falta de limites e não precisam de
medicação. "É mais fácil para a família aceitar que a criança é hiperativa do que mal-educada ou
sem limites", avalia Francisco Batista Assumpção, coordenador do
departamento de infância da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Escolas
Também é comum as escolas
errarem na avaliação e encaminharem um aluno para diagnóstico de TDHA, em razão de problemas na leitura e na escrita, quando, na realidade, ele apresenta
dislexia, segundo Barbirato.
"Os professores se preocupam
com os alunos agitados, mas não
prestam atenção naqueles com
sintomas mais discretos. Há, ao
mesmo tempo, um superdiagnóstico e um subdiagnóstico da
doença", diz o médico.
O diagnóstico errado do TDAH
também pode mascarar outros
problemas. "Muitas vezes a criança não aprende porque a escola é
ruim, não porque tem hiperatividade ou déficit de atenção", avalia
Assumpção.
O maior perigo da banalização
do diagnóstico e do tratamento da
TDAH é a dependência psicológica ao remédio, de acordo com o
psiquiatra. "A criança passa a
acreditar que precisa tomar o
comprimido para ficar boazinha e
sente-se insegura em deixar de
usar o medicamento."
Em relação à dependência fisíca, os especialistas atestam que
não há riscos, desde que o remédio tenha indicação precisa e por
tempo determinado -em média,
durante dois anos.
"Falar que o medicamento causa dependência é um mito. O não-uso é que pode aumentar os
transtornos. Há estudos bem consistentes mostrando que [o metilfenidato] pode ser um fator de
proteção a abuso de drogas no futuro", diz Fábio Barbirato.
Mesmo concordando com a segurança do remédio, se usado
corretamente, Assumpção não
descarta a dependência. "O metilfenidato é uma droga similar à anfetamina. Se não criasse dependência, o Ministério da Saúde não
exigiria retenção da receita."
Após o uso do remédio, a idéia é
que a pessoa aprenda a lidar com
o transtorno sem a necessidade
da droga. "Ela se organiza melhor
e passa a controlar o impulso, a
agitação e a falta de atenção", explica Mauro Muszkat.
Porém, ele alerta que o envolvimento da família é fundamental e
que é preciso mudanças de atitude por parte dos pais. Entre elas,
saber lidar com a raiva e impor limites à criança ou ao adolescente.
"Mas não podemos esquecer de
que existem casos graves em que a
medicação é imprescindível para
que a vida social e a aprendizagem não sejam afetadas de forma
irrecuperável", diz Muszkat.
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