São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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INFÂNCIA

Há pelo menos 17 transtornos que podem ser parecidos com a hiperatividade; falhas atrasam tratamento correto

Diagnóstico errado leva a excesso de remédio

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um excesso de diagnóstico errado dos transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) com indicação inadvertida de remédios. Seria essa a principal razão para o aumento das vendas da chamada "droga da obediência", na opinião de especialistas.
Há pelo menos 17 transtornos que podem ser parecidos com o TDAH -como a ansiedade, a dislexia, o autismo e o transtorno bipolar- e que são, muitas vezes, diagnosticados como tal, levando ao aumento da medicalização e, ao mesmo tempo, provocando efeitos colaterais indesejáveis e atrasos no tratamento correto.
O médico Fábio Barbirato, chefe da psiquiatria infantil da Santa Casa do Rio de Janeiro, conta o caso de uma garota que foi diagnosticada como portadora de TDHA, quando na realidade tinha transtorno bipolar. "Os sintomas iam de euforia e inquietude a explosões de raiva e sexualidade aumentada. O remédio piorou o estado de saúde dela."
Segundo Barbirato, há muitos "achismos" sobre TDAH praticados por profissionais que não estão atualizados sobre a doença. Essa prática estaria levando a uma banalização do transtorno.
O neurologista infantil Saul Cypel, da Academia Brasileira de Neurologia, concorda. "Vários equívocos têm ocorrido. Há, inclusive, casos de crianças normais sendo classificadas como TDAH." Isso, afirma, leva a um excesso de medicamentação.
"Muitos casos poderiam ser conduzidos com outras orientações terapêuticas, como terapia. A medicação é indicada para algumas crianças, temporariamente, mas não para a maioria", diz ele.
O caso de Laura, 14, é um exemplo. Há cinco anos, seus pais tiveram a confirmação de que ela tinha TDAH e começaram o tratamento com o remédio. "Ela não se adaptou. Perdia o apetite, não dormia e ficava depressiva. Depois de seis meses, resolvemos parar e ficar só com a terapia."
Hoje, Laura está melhor e mais confiante. "Resolvemos até mudá-la de escola. Será seu novo desafio, e espero que continue dando certo sem nenhum remédio."
Para o neuropediatra Mauro Muszkat, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), muitas crianças com sintomas de hiperatividade sofrem, na realidade, de falta de limites e não precisam de medicação. "É mais fácil para a família aceitar que a criança é hiperativa do que mal-educada ou sem limites", avalia Francisco Batista Assumpção, coordenador do departamento de infância da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Escolas
Também é comum as escolas errarem na avaliação e encaminharem um aluno para diagnóstico de TDHA, em razão de problemas na leitura e na escrita, quando, na realidade, ele apresenta dislexia, segundo Barbirato.
"Os professores se preocupam com os alunos agitados, mas não prestam atenção naqueles com sintomas mais discretos. Há, ao mesmo tempo, um superdiagnóstico e um subdiagnóstico da doença", diz o médico.
O diagnóstico errado do TDAH também pode mascarar outros problemas. "Muitas vezes a criança não aprende porque a escola é ruim, não porque tem hiperatividade ou déficit de atenção", avalia Assumpção.
O maior perigo da banalização do diagnóstico e do tratamento da TDAH é a dependência psicológica ao remédio, de acordo com o psiquiatra. "A criança passa a acreditar que precisa tomar o comprimido para ficar boazinha e sente-se insegura em deixar de usar o medicamento."
Em relação à dependência fisíca, os especialistas atestam que não há riscos, desde que o remédio tenha indicação precisa e por tempo determinado -em média, durante dois anos.
"Falar que o medicamento causa dependência é um mito. O não-uso é que pode aumentar os transtornos. Há estudos bem consistentes mostrando que [o metilfenidato] pode ser um fator de proteção a abuso de drogas no futuro", diz Fábio Barbirato.
Mesmo concordando com a segurança do remédio, se usado corretamente, Assumpção não descarta a dependência. "O metilfenidato é uma droga similar à anfetamina. Se não criasse dependência, o Ministério da Saúde não exigiria retenção da receita."
Após o uso do remédio, a idéia é que a pessoa aprenda a lidar com o transtorno sem a necessidade da droga. "Ela se organiza melhor e passa a controlar o impulso, a agitação e a falta de atenção", explica Mauro Muszkat.
Porém, ele alerta que o envolvimento da família é fundamental e que é preciso mudanças de atitude por parte dos pais. Entre elas, saber lidar com a raiva e impor limites à criança ou ao adolescente.
"Mas não podemos esquecer de que existem casos graves em que a medicação é imprescindível para que a vida social e a aprendizagem não sejam afetadas de forma irrecuperável", diz Muszkat.


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