São Paulo, terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CECILIA GIANNETTI

Fuga para São Paulo

Muito prazer, Cotidiano: segundo meus amigos do Rio, sou a primeira carioca a optar por férias em São Paulo

DESTA VEZ PEGUEI a estrada. Imagina se caía de novo na conversa do "tudo sob controle nos aeroportos"? Eu, hein... tédio, pão de queijo e cafezinho superfaturados nas salas de longa espera, filas estáticas para o check-in -nem pensar. Esse estresse eu não queria, não neste verão. Não nas minhas primeiras semiférias em pouco mais de dez anos de serviços prestados a... bom, aos mais variados ramos de serviços que se possam prestar lendo, escrevendo e sapateando.
Lamúrias em excesso numa frase comprida demais, tô ligada, mas precisava desovar tanta palavra que guardei nas seis ou sete horas de viagem de carro. No trajeto fiquei até tranqüilona, olhando vacas e fazendas, mascando (biscoitos) e emudecendo feito elas (sonho de gente tensa da cidade é ser quieto feito vaca ou fazenda). Depois disso, passaram por nós cidades minúsculas e um tanto esquecidas. Que sumiram conforme vieram na paisagem, até que a tripulação de nosso carro encontrasse São Paulo de uma vez por todas. Muito prazer, Cotidiano: segundo meus amigos do Rio, sou a primeira carioca a optar por férias em São Paulo quando boa parte da metrópole costuma fazer o contrário, ou ruma a outros balneários mais interessantes do que a cidade de onde vim. E vim de carro, feliz.
Não dirijo, para o bem do próximo, e com essa caridade procuro expiar meus demais pecados. Eu guiaria torto e alopradamente, fora da lei, se mo permitissem. Por isso outro alguém tinha nas mãos o volante do veículo lotado de malas, com Mark Ronson, Bob Dylan e o quase-cadáver Amy Winehouse se revezando nos alto-falantes. Poucos carros, nenhum engarrafamento na estrada em pleno dia 25. Só quando chegamos que li as manchetes: tinha sido o Natal com maior número de acidentes na Dutra nos últimos 20 anos.
Nas tantas paradas irresistíveis do trajeto, os viajantes estacionam pra se esbaldar com o que existe de mais engordativo e gorduroso, desde receitas de milho doce e salgado até rodízios. Dava pra usar bastões de polenta como gloss. O ketchup, invariavelmente cor-de-rosa.
Aí chegamos, ah!, a avenida Paulista em obras, dezenas de operários batucando máquinas atrozes de arrancar pedras -que, reclama uma moça entreouvida na Augusta, deveriam lá permanecer, uma vez que, ainda segundo ela, as calçadas da avenida estão em perfeito estado. Não sei se de fato estão, pois acabo de ser aqui desovada e, ah!, o Masp reaberto, cumpre todas as regras de segurança?, Não sei, just che-gay, ah!, o Shopping Pátio Higienópolis, onde cães podem entrar e nada sujam pelo chão, mais educados do que muita gente... Pera lá! Não pensem que com isso judio de Higienópolis, nem do shopping nem de São Paulo. Adoro, assumo: passo férias aqui, onde vive mais de uma dezena de amigos cariocas exilados.
E quando saio do elevador, no prédio onde me hospedo, suspiro feito um Mário de Andrade deveras mais "caqueradinho" pela forçada pós-modernidade: ah, São Paulo! Na rua, temperatura apropriada pra gente, sem bigode de suor nem pizzas sob os braços.
Entre a abertura de um portão e outro, à entrada do edifício, fico numa jaula anti-assaltos: o portão da rua só abre quando o outro fecha. Passo segundos nesse limbo de barras de ferro, medida que bem podia ser adotada no Rio. Se é para nos enjaular, que seja com o mínimo de eficiência. Arame farpado e cercas eletrificadas talvez já não bastem. Não que seja a solução. Parece, porém, ser tudo o que temos.


Texto Anterior: Paulista: Após curto, 300 pessoas são retiradas do prédio da Fnac
Próximo Texto: Consumo: Usuária reclama da demora de plano para autorizar exame
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.