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CECILIA GIANNETTI
Fuga para São Paulo
Muito prazer, Cotidiano: segundo meus amigos do Rio, sou a primeira carioca a optar por férias em São Paulo
DESTA VEZ PEGUEI a estrada.
Imagina se caía de novo na
conversa do "tudo sob controle nos aeroportos"? Eu, hein... tédio, pão de queijo e cafezinho superfaturados nas salas de longa espera,
filas estáticas para o check-in -nem
pensar. Esse estresse eu não queria,
não neste verão. Não nas minhas
primeiras semiférias em pouco mais
de dez anos de serviços prestados a...
bom, aos mais variados ramos de
serviços que se possam prestar lendo, escrevendo e sapateando.
Lamúrias em excesso numa frase
comprida demais, tô ligada, mas
precisava desovar tanta palavra que
guardei nas seis ou sete horas de viagem de carro. No trajeto fiquei até
tranqüilona, olhando vacas e fazendas, mascando (biscoitos) e emudecendo feito elas (sonho de gente tensa da cidade é ser quieto feito vaca
ou fazenda). Depois disso, passaram
por nós cidades minúsculas e um
tanto esquecidas. Que sumiram
conforme vieram na paisagem, até
que a tripulação de nosso carro encontrasse São Paulo de uma vez por
todas. Muito prazer, Cotidiano: segundo meus amigos do Rio, sou a
primeira carioca a optar por férias
em São Paulo quando boa parte da
metrópole costuma fazer o contrário, ou ruma a outros balneários
mais interessantes do que a cidade
de onde vim. E vim de carro, feliz.
Não dirijo, para o bem do próximo, e com essa caridade procuro expiar meus demais pecados. Eu guiaria torto e alopradamente, fora da
lei, se mo permitissem. Por isso outro alguém tinha nas mãos o volante do veículo lotado de malas, com
Mark Ronson, Bob Dylan e o quase-cadáver Amy Winehouse se revezando nos alto-falantes. Poucos
carros, nenhum engarrafamento
na estrada em pleno dia 25. Só
quando chegamos que li as manchetes: tinha sido o Natal com
maior número de acidentes na Dutra nos últimos 20 anos.
Nas tantas paradas irresistíveis
do trajeto, os viajantes estacionam
pra se esbaldar com o que existe de
mais engordativo e gorduroso, desde receitas de milho doce e salgado
até rodízios. Dava pra usar bastões
de polenta como gloss. O ketchup,
invariavelmente cor-de-rosa.
Aí chegamos, ah!, a avenida Paulista em obras, dezenas de operários batucando máquinas atrozes
de arrancar pedras -que, reclama
uma moça entreouvida na Augusta, deveriam lá permanecer, uma
vez que, ainda segundo ela, as calçadas da avenida estão em perfeito
estado. Não sei se de fato estão,
pois acabo de ser aqui desovada e,
ah!, o Masp reaberto, cumpre todas
as regras de segurança?, Não sei,
just che-gay, ah!, o Shopping Pátio
Higienópolis, onde cães podem entrar e nada sujam pelo chão, mais
educados do que muita gente... Pera lá! Não pensem que com isso judio de Higienópolis, nem do shopping nem de São Paulo. Adoro, assumo: passo férias aqui, onde vive
mais de uma dezena de amigos cariocas exilados.
E quando saio do elevador, no
prédio onde me hospedo, suspiro
feito um Mário de Andrade deveras mais "caqueradinho" pela forçada pós-modernidade: ah, São
Paulo! Na rua, temperatura apropriada pra gente, sem bigode de
suor nem pizzas sob os braços.
Entre a abertura de um portão e
outro, à entrada do edifício, fico
numa jaula anti-assaltos: o portão
da rua só abre quando o outro fecha. Passo segundos nesse limbo
de barras de ferro, medida que bem
podia ser adotada no Rio. Se é para
nos enjaular, que seja com o mínimo de eficiência. Arame farpado e
cercas eletrificadas talvez já não
bastem. Não que seja a solução. Parece, porém, ser tudo o que temos.
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