São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 2011

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Vítimas recusam resgate apesar de perigo

Outros retornam para resgatar parentes que não quiseram deixar suas casas, buscar comida ou salvar animais

Com escassez de alimentos, preço de itens como velas crescem; abrigos também estão lotados


ALENCAR IZIDORO
MARLENE BERGAMO

ENVIADOS A NOVA FRIBURGO

A lista de pedidos de resgate por helicóptero passava de duas folhas de sulfite na tarde de ontem no batalhão da PM em Nova Friburgo.
Mesmo assim, muitos se recusam a deixar áreas de risco, mesmo tendo diante dos olhos um cenário de corpos e imóveis revirados.
O casal Ierci Alves Vieira, 33, e Mônica Cardoso, 38 usava o argumento de que precisava cuidar de uma motosserra para negar os apelos da vizinhança de sair de uma construção à beira do Córrego Dantas.
"O Amaral [amigo] me pediu para guardar e não desgrudar dela. Não posso sair daqui", dizia Vieira.
Os amigos queriam chamar a PM para tirá-los à força, mas dois voluntários com uniforme de montanhismo fingiram ser policiais e "enganaram" o casal e conseguiram resgatá-los.
A tentativa de convencer os resistentes a sair dos morros mais perigosos é um dos motivos de peregrinações de moradores pela cidade.
A cada rua enlameada é possível ver homens caminhando de volta para a casa abandonada pela família.
Os motivos são variados: convencer vizinhos e parentes a deixar as casas; medo de que seus bens sejam saqueados; a busca por documentos, roupas, comida.
O pedreiro Edmo Alves Teixeira, 35, foi seguido ontem de manhã pela Folha na sua decisão irrevogável de "dar um pulo" em casa, um dia após fugir de lá num bote para ir com mulher e filho para um abrigo. "Tenho dois passarinhos sem comida. E quero que meu tio Renato também saia de lá", dizia.
Mochila nas costas, facão a tiracolo, Edmo utilizou uma ponte precária, improvisada com dois pedaços de madeira, para atravessar as águas violentas do córrego.
Caminho mesmo não existe mais. O percurso é como uma escalada sobre ruas devastadas, caminhões de ponta-cabeça e restos de casas.
Diante da proximidade do morro, a reportagem interrompe a viagem.
Na rota de Edmo, quatro homens carregam sacos de comida. Na casa dos amigos, onde estão abrigados, os alimentos escasseiam.
"A comida está acabando. No mercado está absurdo. O pacote de vela está R$ 15", conta Jackson Pinheiro, 24.
Em diversos pontos de Nova Friburgo não há o menor controle de quem chega a locais com iminente ameaça de queda de barreira.
"Vamos para onde, meu filho? Os abrigos também estão lotados", justificava Marilene Alves dos Santos, 52, que, ao lado de dezenas de vizinhos do Alto do Floresta, passava a tarde de ontem no próprio morro, olhando destroços abaixo, enquanto a chuva já começava a apertar.


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