São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Oscar Freire estende liquidação e atrasa reforma da calçada

Oitava região mais luxuosa do mundo, à frente da Champs-Élysées, em Paris, sente os tempos de crise, em que luxo virou supérfluo

Shopping Iguatemi investiu R$ 1,5 milhão em mimos para clientes e loja de vinhos muda foco e promove os rótulos de menos de R$ 100


Joel Silva/Folha Imagem
Miriam Gotfryd (esq.) e Debora Aguiar observam vitrines em liquidação na rua Oscar Freire

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem passa pela Oscar Freire sabe -porque vê- que os tempos são outros. Liquidações temporãs com descontos que chegam a 80% em quase todas as lojas e vão até depois do Carnaval, quando em anos anteriores não passavam das primeiras semanas de janeiro, tentam desovar o estoque encalhado.
A própria rua, que no ano passado foi eleita, pela segunda vez, a oitava região mais luxuosa do mundo, à frente da avenida Champs-Élysées, em Paris, e da praça do Cassino, em Mônaco, sente nas calçadas os tempos de escassez da crise.
Com projeto de aterramento dos fios das ruas Haddock Lobo e Bela Cintra entre a alameda Lorena e rua Estados Unidos aprovado na prefeitura há um ano, os lojistas esperam patrocínio de bancos e de bandeiras de cartão de crédito -que não vêm- para tocar as obras. As cinco quadras em cada uma das ruas custariam R$ 8 milhões -R$ 1,6 milhão por quarteirão.
"Tivemos a aprovação, mas não quer dizer que vamos até lá. Óbvio que minha vontade seria que toda aquela região tivesse o projeto reurbanizado, mas infelizmente não é questão de opção. O caro não é calçada, não é mobiliário. O caro é o aterramento dos fios e sumir com os postes", diz Rosângela Lyra, presidente da Associação de Lojistas da Oscar Freire.
Otimista até o último fio de seda do vestido Dior -ela é diretora da marca no Brasil-, Rosângela não gosta de falar em crise, prefere ver o mundo num período de "adversidade". "É um momento de incerteza."
"Passo por aqui quase todo dia e a sensação é que a rua virou um show-room. Não vejo ninguém sair das lojas com sacolas", diz a advogada Priscila Farias, sem nada nas mãos.
O Shopping Iguatemi, que tem projeto de reurbanização das calçadas parecido para a avenida Faria Lima, está na mesma. "Não diria que está parado, está no gerúndio, estamos avaliando", diz Charles Krell, vice-presidente de operações.

Mimos
Para segurar a clientela, o Iguatemi investiu R$ 1,5 milhão numa série de mimos. Entre eles, carregadores de sacolas, um guarda-volumes, um balcão de informações sobre a programação da cidade, um fraldário decorado para bebês nascidos em berço de ouro (em vez das bancadinhas para trocar fraldas, há cabines individuais), trocou as escadas rolantes, abriu um serviço de embrulho de presentes e contratou até uma "personal shopper" e consultoras de imagem.
"É para ajudar a personalizar a escolha de produtos à venda no shopping. São mimos e atenção especiais. Muitas pessoas ficam em apuros", diz Krell. Por lá, as liquidações de fim de ano continuam -como na Dolce & Gabbana, com 60%.
Na Daslu os descontos fora de época -no nacional e importado- estão na moda e andam na casa dos 70%.
Eliana Tranchesi conta que diminuiu as peças importadas ("porque estão muito caras"), está investindo mais em marcas nacionais e fazendo "compras mais seletivas".
"Estou há 30 anos no mercado e já escutei milhões de vezes que este ano é de crise, mas agora realmente acredito que essa crise vai mudar o comportamento das pessoas. Reestruturei toda a criação da loja", diz.
O comedimento no mercado do luxo se vê também fora da Daslu. Na Expand, rede importadora de vinhos, uma promoção de 70% (iniciada em novembro e que vai até março, quando o normal é em alguns dias depois do Natal) e o dólar com a cotação congelada de R$ 1,60 (contra R$ 2,27 hoje no mercado) são a estratégia para manter as vendas.

Petrus
Lá, os rótulos que custam mais de R$ 100 deixaram de ser o foco, e as garrafas entre R$ 30 e R$ 100 passaram a vender mais. "O consumidor hoje é mais consciente em relação a preço", diz o gerente Rodrigo Lanari. Os Romanée-Conti, agora, só por encomenda. É que 18 garrafas do Petrus, que chegavam a R$ 25 mil, estão encalhadas, embora estejam com desconto por R$ 9.800.
Em restaurantes de alta gastronomia como o D.O.M. e o Fasano, em que era preciso fazer reserva com ao menos duas ou três semanas de antecedência, hoje é possível conseguir mesa para o mesmo dia.
"Está todo mundo pobre, não tem mais luxo", exagera o florista Vic Meirelles, famoso entre o círculo das milionárias paulistanas. "As mulheres ricas estão mandando a empregada comprar flores na feira e no Ceagesp. Só me chamam agora quando não conseguem fazer arranjos complicados para eventos importantes", diz.
"Também estão colocando folhagem e flores que duram mais, como orquídeas, que seguram um mês. Sinto todo mundo bem cauteloso na hora de fazer casamento e festa. Elas dizem: "Tenho tanto para gastar e não extrapole'", completa.
A empresária Mirian Ofenhejm Gotfryd diz que o momento "é de reavaliar os conceitos de consumismo" e "usar o dinheiro de forma mais inteligente, sem perder o prazer".
"Estou cultivando hábitos prazerosos para substituir o supérfluo e o consumismo desenfreado, como sair para comprar flores e passar por galerias de arte. Agora, levo o presente só na cabeça. O mesmo dinheiro compra o feio e o bonito, vai da educação de cada um", afirma.


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