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Veteranos de Leme afirmam que trote com fezes é "tradição"
Aluno justifica prática dizendo que veterinário "não pode ter nojo de fezes de animais"
MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LEME
"Tradição". Esta foi a palavra
usada por veteranos do curso
de medicina veterinária da
Anhanguera, em Leme (189 km
de SP), para justificar o trote
violento aplicado a calouros da
universidade, em uma semana
marcada por episódios semelhantes pelo interior paulista.
Calouros do curso foram
obrigados a rolar em uma lona
com esterco e fezes de animais.
Na segunda, o estudante Bruno
César Ferreira, 21, sofreu
agressões após passar pelo castigo escatológico. Ele denunciou o caso à polícia após ser
hospitalizado. Outros 30 calouros passaram pelo trote, realizado no canteiro central de
uma rua atrás da universidade.
Após rolar na lona e ficar alcoolizado, Ferreira diz que foi
amarrado a um poste e agredido. "Um grupo me pôs sentado
em uma cadeira e, depois, um
deles chutou os pés da cadeira.
Caí com a cabeça na sarjeta e
não lembro mais de nada."
A Folha conversou com quatro veteranos do curso de medicina veterinária na quinta.
Todos confirmaram que este
tipo de trote "tradicional"
acontece há alguns anos. Ao
chegar na frente da universidade, um deles alertou: "Pode desistir que ninguém vai falar sobre este assunto aqui".
Um veterano do curso -que
preferiu não se identificar-
justificou o trote dizendo que
um veterinário "não pode ter
nojo de fezes de animais".
Outro veterano, do último
ano, também defendeu o trote.
"Todo ano tem banho de lama
com fezes. Mas agora teve animais em decomposição no
meio", disse. Ele afirmou que
não se identificaria pois a direção da faculdade pediu para
que ninguém desse entrevistas.
Dois estudantes veteranos
suspeitos foram reconhecidos
na polícia pelo estudante e vão
responder pelo crime de lesão
corporal dolosa (quando há intenção). Em depoimento, os
suspeitos negaram a agressão.
Ferreira desistiu de estudar
na faculdade. Ele teme represálias. "Resolvi denunciar o que
aconteceu para que este tipo de
trote não se repita com outras
pessoas. Muitos estudantes
passam pelas mesmas situações e ficam quietos", disse
Ferreira, que trabalha como
vendedor de rações e de remédios para animais.
A universidade não confirmou que pediu para alunos não
darem entrevistas. Sobre o trote com fezes ser uma prática
recorrente, a Anhanguera não
se pronunciou. Em nota oficial,
informou que "abriu sindicância e colocou um médico à disposição do aluno agredido".
A Anhanguera informou ainda que "é totalmente contra o
trote violento, por isso desenvolve todos os anos campanhas
de trote solidário e nesta edição arrecada kits de material
escolar para doação".
Outros casos
Em Santa Fé do Sul (625 km
de SP), uma jovem de 18 anos,
grávida de três meses, teve de
ser internada depois de ser
queimada com um líquido por
uma veterana. Uma estudante
de 17 anos também registrou
um boletim de ocorrência relatando ter sofrido queimaduras.
Outros alunos foram vítimas do
trote violento.
Em Catanduva (385 km de
SP), calouros de medicina tiveram de abaixar as calças enquanto participavam de um
trote em cima de um viaduto da
cidade. As cenas foram parar na
internet e causaram constrangimento aos alunos.
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