São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Veteranos de Leme afirmam que trote com fezes é "tradição"

Aluno justifica prática dizendo que veterinário "não pode ter nojo de fezes de animais"

MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LEME

"Tradição". Esta foi a palavra usada por veteranos do curso de medicina veterinária da Anhanguera, em Leme (189 km de SP), para justificar o trote violento aplicado a calouros da universidade, em uma semana marcada por episódios semelhantes pelo interior paulista.
Calouros do curso foram obrigados a rolar em uma lona com esterco e fezes de animais. Na segunda, o estudante Bruno César Ferreira, 21, sofreu agressões após passar pelo castigo escatológico. Ele denunciou o caso à polícia após ser hospitalizado. Outros 30 calouros passaram pelo trote, realizado no canteiro central de uma rua atrás da universidade.
Após rolar na lona e ficar alcoolizado, Ferreira diz que foi amarrado a um poste e agredido. "Um grupo me pôs sentado em uma cadeira e, depois, um deles chutou os pés da cadeira. Caí com a cabeça na sarjeta e não lembro mais de nada."
A Folha conversou com quatro veteranos do curso de medicina veterinária na quinta. Todos confirmaram que este tipo de trote "tradicional" acontece há alguns anos. Ao chegar na frente da universidade, um deles alertou: "Pode desistir que ninguém vai falar sobre este assunto aqui".
Um veterano do curso -que preferiu não se identificar- justificou o trote dizendo que um veterinário "não pode ter nojo de fezes de animais".
Outro veterano, do último ano, também defendeu o trote. "Todo ano tem banho de lama com fezes. Mas agora teve animais em decomposição no meio", disse. Ele afirmou que não se identificaria pois a direção da faculdade pediu para que ninguém desse entrevistas.
Dois estudantes veteranos suspeitos foram reconhecidos na polícia pelo estudante e vão responder pelo crime de lesão corporal dolosa (quando há intenção). Em depoimento, os suspeitos negaram a agressão.
Ferreira desistiu de estudar na faculdade. Ele teme represálias. "Resolvi denunciar o que aconteceu para que este tipo de trote não se repita com outras pessoas. Muitos estudantes passam pelas mesmas situações e ficam quietos", disse Ferreira, que trabalha como vendedor de rações e de remédios para animais.
A universidade não confirmou que pediu para alunos não darem entrevistas. Sobre o trote com fezes ser uma prática recorrente, a Anhanguera não se pronunciou. Em nota oficial, informou que "abriu sindicância e colocou um médico à disposição do aluno agredido".
A Anhanguera informou ainda que "é totalmente contra o trote violento, por isso desenvolve todos os anos campanhas de trote solidário e nesta edição arrecada kits de material escolar para doação".

Outros casos
Em Santa Fé do Sul (625 km de SP), uma jovem de 18 anos, grávida de três meses, teve de ser internada depois de ser queimada com um líquido por uma veterana. Uma estudante de 17 anos também registrou um boletim de ocorrência relatando ter sofrido queimaduras. Outros alunos foram vítimas do trote violento.
Em Catanduva (385 km de SP), calouros de medicina tiveram de abaixar as calças enquanto participavam de um trote em cima de um viaduto da cidade. As cenas foram parar na internet e causaram constrangimento aos alunos.


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