São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

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JAIRO MARQUES

Uma TV para quem não vê


A audiodescrição, prevista desde 2006, está sendo empurrada com a barriga pelas redes de televisão


O "SERUMANO" que inventou aquela máxima "uma imagem vale mais do que mil palavras" cometeu uma gafe histórica que precisa ser reparada. Como sou um menino "bão", igual ao que se diz lá na minha terra, vou me atrever a consertar isso. "Para quem nada vê, imagem nenhuma substitui as palavras".
O povo prejudicado das vistas, que puxa cachorro, padece para curtir uma novelinha, entender notícias do telejornal ou acompanhar um filme, muitas vezes, pela pura falta de prosa durante as cenas e gravações. Naqueles momentos em que a imagem, na ideia do diretor, dá conta de passar a mensagem sem nenhum texto.
Chama-se audiodescrição o recurso que narra as imagens. Então, quando aparece na tela uma moça arrumadinha tomando sorvete em um sol a pino, uma voz traduz com algo do tipo: "Garota bonitona lambe os beiços enquanto chupa um picolé para diminuir o calorão."
Um colega cego me contou que, certa vez, chegou em casa e encontrou o filho pequeno vendo televisão com a mãe. Ao ouvir uns "gemidinhos" vindos da TV, reagiu passando um sermão na mulher pela "falta de cuidado" de deixar a criança assistir aquela suposta safadeza. Obviamente não era nada além da passagem de um filme em que um casal carregava móveis para mudar a decoração da casa. Como não havia "tradução", ele ficou boiando.
Para o pessoal com deficiência intelectual, o auxílio da fala também ajuda um bocado para o entendimento da mensagem, uma vez que uma expressão rápida, sutil ou irônica de um ator pode não ser compreendida. Descrever "Odete Roitman franze a testa, fecha ligeiramente os olhos e solta uma babinha no canto da boca mostrando ódio profundo de Maria de Fátima" seria bem mais fácil de ser entendido.
Apesar de ser regulamentada desde 2006, a implantação da audiodescrição está sendo empurrada com a barriga pelas redes de televisão. Investem bilhões em supostos avanços tecnológicos, mas não querem gastar pouco com algo que vai facilitar muito a vida de quem quer ver TV com mais conforto.
Ninguém exige que haja o recurso narrativo durante toda a lenga-lenga do "Big Brother", afinal ficaria aquela ladainha: "Menina de tanga toma sol com a bunda empinada à beira da piscina". O que a regra prevê é bico de ser cumprido, duas horas durante a programação diária. Será que dói?

OUTRAS LÍNGUAS
O closed caption -aquelas legendas nas imagens para serem compreendidas por quem tem o escutador de novela avariado- é fundamental para surdos e também já tem regulamentação para ser implantado há quatro anos.
Por ser considerado "mais fácil" de ser implantado, devagarinho, as TVs até estão colocando o recurso em algumas sessões de filmes ou programas jornalísticos. É pouco.
Já a tradução para libras -para quem usa a língua de sinais- só aparece, às vezes, em cultos e missas na TV. Quem sabe é para salvar a alma dos mal-acabados. Trata-se de uma janelinha em algum canto da tela, com alguém mexendo sem parar as mãos. Contudo, o gesto maior tem sido das emissoras: dar de ombros para a determinação que prevê uma TV para todos.
No blog, tem um exemplo bem "maraviwonderful" de audiodescrição!

jairo.marques@grupofolha.com.br

assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br

@assimcomovc


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