São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

URBANIDADE

Grande Estação Veredas

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

O avô de Bia Lessa tinha uma paixão especial por trens. Sempre arrumava um pretexto, por mais insignificante que fosse, para deslizar pelos trilhos. Certa vez, deu a desculpa de que precisava ir a uma cidade do interior pegar um guarda-chuva. Por diversas vezes, a neta, encantada com a paisagem interiorana, lhe fez companhia. Assim, o cenário da estação da Luz se fixou nas memórias daquela menina. Passaram-se mais de 40 anos daqueles passeios, Bia nunca nutriu nenhum gosto por trens, preferiu morar no Rio, mas a estação é, neste momento, uma de suas paixões -essa paixão, agora, traduzida num cenário, será aberta ao público.
Será inaugurado na próxima segunda-feira o Museu da Língua Portuguesa, criado dentro da estação da Luz. Numa das salas, haverá uma homenagem aos 50 anos do lançamento do livro "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, para quem Bia, diretora de teatro e cenógrafa, preparou uma instalação de arte. Presas pelo teto a fios que podem ser ajustados pelos leitores, imensas cópias do texto original corrigido à mão pelo autor se enfileiram pelo salão. "Propus que, naquele espaço, se fizesse uma viagem." Inspiradas na ambigüidade sexual de um dos personagens (Diadorim), brincadeiras com o texto entram pelos banheiros, deixando levemente confusas as entradas de homens e mulheres. "Confesso que vai ser divertido se, por acaso, uma mulher entrar no banheiro masculino." De certa forma, estará sendo reproduzido o susto com a revelação da verdadeira identidade de Diadorim. Numa das torneiras, para lembrar a batalha entre os jagunços, sairá água vermelha.
Autora de marcantes instalações, como a da Mostra do Descobrimento, na Bienal, quando fez um cenário de flores roxas misturadas a peças barrocas -em outra, enclausurou baratas em pisos de vidro-, Bia quer ir além daquela sala destinada a Guimarães Rosa.
Gostaria de espalhar por todo o terminal de chegada e saída dos trens painéis em que as pessoas possam deixar mensagens, usando a internet, oferecida na estação. "Assim, teríamos a mistura de todas as viagens com as palavras." A "gare", então, ficaria povoada de memórias, como as que marcaram a menina que acompanhava o avô pelos passeios de trem.


Texto Anterior: Outro lado: General diz que não faz acordo com criminosos
Próximo Texto: A cidade é sua: Contribuinte afirma que não consegue obter aposentadoria
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.