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URBANIDADE
Grande Estação Veredas
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
O avô de Bia Lessa tinha
uma paixão especial por
trens. Sempre arrumava um
pretexto, por mais insignificante que fosse, para deslizar pelos
trilhos. Certa vez, deu a desculpa de que precisava ir a uma cidade do interior pegar um
guarda-chuva. Por diversas vezes, a neta, encantada com a
paisagem interiorana, lhe fez
companhia. Assim, o cenário
da estação da Luz se fixou nas
memórias daquela menina.
Passaram-se mais de 40 anos
daqueles passeios, Bia nunca
nutriu nenhum gosto por trens,
preferiu morar no Rio, mas a
estação é, neste momento, uma
de suas paixões -essa paixão,
agora, traduzida num cenário,
será aberta ao público.
Será inaugurado na próxima
segunda-feira o Museu da Língua Portuguesa, criado dentro
da estação da Luz. Numa das
salas, haverá uma homenagem
aos 50 anos do lançamento do
livro "Grande Sertão: Veredas",
de Guimarães Rosa, para quem
Bia, diretora de teatro e cenógrafa, preparou uma instalação
de arte. Presas pelo teto a fios
que podem ser ajustados pelos
leitores, imensas cópias do texto
original corrigido à mão pelo
autor se enfileiram pelo salão.
"Propus que, naquele espaço, se
fizesse uma viagem." Inspiradas na ambigüidade sexual de
um dos personagens (Diadorim), brincadeiras com o texto
entram pelos banheiros, deixando levemente confusas as
entradas de homens e mulheres. "Confesso que vai ser divertido se, por acaso, uma mulher
entrar no banheiro masculino."
De certa forma, estará sendo reproduzido o susto com a revelação da verdadeira identidade
de Diadorim. Numa das torneiras, para lembrar a batalha entre os jagunços, sairá água vermelha.
Autora de marcantes instalações, como a da Mostra do Descobrimento, na Bienal, quando
fez um cenário de flores roxas
misturadas a peças barrocas
-em outra, enclausurou baratas em pisos de vidro-, Bia
quer ir além daquela sala destinada a Guimarães Rosa.
Gostaria de espalhar por todo
o terminal de chegada e saída
dos trens painéis em que as pessoas possam deixar mensagens,
usando a internet, oferecida na
estação. "Assim, teríamos a
mistura de todas as viagens
com as palavras." A "gare", então, ficaria povoada de memórias, como as que marcaram a
menina que acompanhava o
avô pelos passeios de trem.
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