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MISS BRASIL 2004
Concorrentes vão ter de demonstrar que são moças de atitude; maioria já passou por ajustes cirúrgicos
"Biônicas" disputam hoje o título de "a mais bela"
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Em busca de glórias passadas,
realiza-se hoje a partir das 21h50,
no Credicard Hall (com transmissão pela TV Bandeirantes), a 50ª
edição do concurso Miss Brasil. A
premiação da mais linda representante da beleza brasileira já teve o glamour que hoje merecem
as top models internacionais, passou por uma fase de triste decadência a partir dos anos 80 e agora
ensaia a retomada.
Hoje, 28 ex-misses homenagearão as 27 candidatas ao título de
2004, a começar pela mais famosa
de todas, a baiana Martha Rocha,
68, miss Brasil 1954.
É uma retomada difícil, tão difícil quanto definir o que seja uma
mulher desejável no século 21, explica o "missólogo" Boanerges
Gaeta Jr., 46, organizador do
evento. Desde que Martha foi eleita, quase tudo mudou. Em 1954,
as candidatas mal podiam se maquiar. Pintar o cabelo era vetado.
Hoje, ao contrário, as misses são
construídas na literalidade do termo. "Misses biônicas", acusavam
antigas misses ontem, em voz baixa, no lobby do hotel Blue Tree,
no Morumbi, aonde chegavam
para participar da festa. Explica-se: das 27 concorrentes ao título
de 2004, pelo menos 15 passaram
por alguma cirurgia. Dessas, todas são "siliconadas", algumas
afinaram o nariz, outras corrigiram o queixo e outras, ainda, retiraram incômodos pneuzinhos.
O poder da cirurgia plástica no
pequeno mundo das misses tornou-se tão acachapante, uniformizando a beleza, transformando
biotipos, que não basta mais ser
linda e ler "O Pequeno Príncipe",
de Saint-Exupéry, clássico dos
clássicos para boas e lindas moças. Fabíola Gomes, miss Acre, estuda direito e quer proteger as
crianças. "Quero ser promotora
na área de infância e juventude!",
diz. Miss, hoje, tem de ter preocupações sociais e dedicar-se a boas
causas, como a luta contra a Aids
ou o apoio a crianças com câncer.
Tem de ser universitária, jurar
que quer estudar muito e ralar
trabalhando, "porque a beleza é
efêmera", explica Betânia Zambiazzi, 18, miss Mato Grosso.
É um script mundial, ditado pelas normas do concurso de Miss
Universo, controlado pelo império de Donald Trump. A miss
EUA 2004, por exemplo, eleita na
segunda-feira, Shandi Finessey,
até escreveu um livro para crianças deficientes mentais. Tem mestrado em orientação pedagógica,
toca piano e violino. Dons politicamente corretos valem tanto
quanto a beleza mais inspiradora.
A mudança aconteceu no mundo todo, inspirada pelo exemplo
da Venezuela, celeiro de misses,
com quatro vencedoras do Miss
Universo, cinco do Miss Mundo e
seis Miss Beleza Internacional.
Lá está a mais famosa Escola de
Misses do mundo, sob o mando
de Osmel Souza, o mago das mulheres perfeitas, moldadas à custa
de intervenções cirúrgicas drásticas: até costelas são retiradas das
moças, para afinar-lhes a cintura.
Do arsenal de Souza para a
construção das misses venezuelanas constam ainda: ortodontistas,
professores de etiqueta, esteticistas, fonoaudiólogos, professores
de inglês, maquiadores, cabeleireiros, fotógrafos (para aprender
a posar corretamente), estilistas.
A conseqüência foi uma homogeneização da beleza venezuelana, ao menos a que se vê nas passarelas de miss. Na terra de Hugo
Chávez, todas as misses são tão
loiras quanto permite a indústria
de tinturas de cabelos.
Agora, o Brasil tenta importar a
sabedoria venezuelana. Em agosto, inaugura-se a primeira Escola
de Misses do Brasil, em Belo Horizonte. Todas as especialidades envolvidas na fábrica venezuelana
estarão na escola brazuca, sob o
comando da ex-miss Ubá Nádia
Micherif, idade não revelada, mãe
da miss Ubá, miss Minas Gerais e
miss Brasil 1997, Nayla Micherif.
Imagine-se o efeito no Brasil.
Com 25% da população declaradamente negra, a maioria mestiça, uma única vez uma negra foi
a vencedora do Miss Brasil. Aconteceu em 1986 e, por isso, mesmo
numa fase já decadente do concurso, Deise Nunes passou à história. "Sempre houve preconceito
contra negros e nordestinos no
concurso", admite o organizador
Gaeta Jr., ao lado de Martha Rocha, uma linda senhora baiana e
com a tez tão branca e os olhos tão
azuis quanto uma nórdica.
Para modernizar o concurso,
Gaeta chamou o estilista moderninho Marcelo Sommer, habitué
da São Paulo Fashion Week, e incumbiu-o de redesenhar os famosos maiôs Catalina. "Comportados, modernos e dourados, para
lembrar as bodas de ouro do concurso", foi a encomenda. Também convocou um júri de 21 notáveis, a maioria ligada ao mundo
da moda. Esse júri checará das
candidatas o atributo novo que se
exige das moças: atitude.
Visto assim, parece até pacífica
a convivência do concurso de
Miss Brasil com a turma moderna. Não é. Sergio Matos, da agência Elite Models, já acusou o concurso de ser brega. Ao que Gaeta
retruca, com uma ponta de mau
humor: "Miss tem de ser bonita.
Top models servem para vender
roupa. Elas são esquálidas, esqueléticas e muitas são feias". Como
se vê, a luta continua.
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