São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2004

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MISS BRASIL 2004

Concorrentes vão ter de demonstrar que são moças de atitude; maioria já passou por ajustes cirúrgicos

"Biônicas" disputam hoje o título de "a mais bela"

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em busca de glórias passadas, realiza-se hoje a partir das 21h50, no Credicard Hall (com transmissão pela TV Bandeirantes), a 50ª edição do concurso Miss Brasil. A premiação da mais linda representante da beleza brasileira já teve o glamour que hoje merecem as top models internacionais, passou por uma fase de triste decadência a partir dos anos 80 e agora ensaia a retomada.
Hoje, 28 ex-misses homenagearão as 27 candidatas ao título de 2004, a começar pela mais famosa de todas, a baiana Martha Rocha, 68, miss Brasil 1954.
É uma retomada difícil, tão difícil quanto definir o que seja uma mulher desejável no século 21, explica o "missólogo" Boanerges Gaeta Jr., 46, organizador do evento. Desde que Martha foi eleita, quase tudo mudou. Em 1954, as candidatas mal podiam se maquiar. Pintar o cabelo era vetado.
Hoje, ao contrário, as misses são construídas na literalidade do termo. "Misses biônicas", acusavam antigas misses ontem, em voz baixa, no lobby do hotel Blue Tree, no Morumbi, aonde chegavam para participar da festa. Explica-se: das 27 concorrentes ao título de 2004, pelo menos 15 passaram por alguma cirurgia. Dessas, todas são "siliconadas", algumas afinaram o nariz, outras corrigiram o queixo e outras, ainda, retiraram incômodos pneuzinhos.
O poder da cirurgia plástica no pequeno mundo das misses tornou-se tão acachapante, uniformizando a beleza, transformando biotipos, que não basta mais ser linda e ler "O Pequeno Príncipe", de Saint-Exupéry, clássico dos clássicos para boas e lindas moças. Fabíola Gomes, miss Acre, estuda direito e quer proteger as crianças. "Quero ser promotora na área de infância e juventude!", diz. Miss, hoje, tem de ter preocupações sociais e dedicar-se a boas causas, como a luta contra a Aids ou o apoio a crianças com câncer. Tem de ser universitária, jurar que quer estudar muito e ralar trabalhando, "porque a beleza é efêmera", explica Betânia Zambiazzi, 18, miss Mato Grosso.
É um script mundial, ditado pelas normas do concurso de Miss Universo, controlado pelo império de Donald Trump. A miss EUA 2004, por exemplo, eleita na segunda-feira, Shandi Finessey, até escreveu um livro para crianças deficientes mentais. Tem mestrado em orientação pedagógica, toca piano e violino. Dons politicamente corretos valem tanto quanto a beleza mais inspiradora.
A mudança aconteceu no mundo todo, inspirada pelo exemplo da Venezuela, celeiro de misses, com quatro vencedoras do Miss Universo, cinco do Miss Mundo e seis Miss Beleza Internacional.
Lá está a mais famosa Escola de Misses do mundo, sob o mando de Osmel Souza, o mago das mulheres perfeitas, moldadas à custa de intervenções cirúrgicas drásticas: até costelas são retiradas das moças, para afinar-lhes a cintura.
Do arsenal de Souza para a construção das misses venezuelanas constam ainda: ortodontistas, professores de etiqueta, esteticistas, fonoaudiólogos, professores de inglês, maquiadores, cabeleireiros, fotógrafos (para aprender a posar corretamente), estilistas.
A conseqüência foi uma homogeneização da beleza venezuelana, ao menos a que se vê nas passarelas de miss. Na terra de Hugo Chávez, todas as misses são tão loiras quanto permite a indústria de tinturas de cabelos.
Agora, o Brasil tenta importar a sabedoria venezuelana. Em agosto, inaugura-se a primeira Escola de Misses do Brasil, em Belo Horizonte. Todas as especialidades envolvidas na fábrica venezuelana estarão na escola brazuca, sob o comando da ex-miss Ubá Nádia Micherif, idade não revelada, mãe da miss Ubá, miss Minas Gerais e miss Brasil 1997, Nayla Micherif. Imagine-se o efeito no Brasil.
Com 25% da população declaradamente negra, a maioria mestiça, uma única vez uma negra foi a vencedora do Miss Brasil. Aconteceu em 1986 e, por isso, mesmo numa fase já decadente do concurso, Deise Nunes passou à história. "Sempre houve preconceito contra negros e nordestinos no concurso", admite o organizador Gaeta Jr., ao lado de Martha Rocha, uma linda senhora baiana e com a tez tão branca e os olhos tão azuis quanto uma nórdica.
Para modernizar o concurso, Gaeta chamou o estilista moderninho Marcelo Sommer, habitué da São Paulo Fashion Week, e incumbiu-o de redesenhar os famosos maiôs Catalina. "Comportados, modernos e dourados, para lembrar as bodas de ouro do concurso", foi a encomenda. Também convocou um júri de 21 notáveis, a maioria ligada ao mundo da moda. Esse júri checará das candidatas o atributo novo que se exige das moças: atitude.
Visto assim, parece até pacífica a convivência do concurso de Miss Brasil com a turma moderna. Não é. Sergio Matos, da agência Elite Models, já acusou o concurso de ser brega. Ao que Gaeta retruca, com uma ponta de mau humor: "Miss tem de ser bonita. Top models servem para vender roupa. Elas são esquálidas, esqueléticas e muitas são feias". Como se vê, a luta continua.


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