São Paulo, sábado, 15 de abril de 2006

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EXPULSÃO POSTERGADA

Maior ocupação vertical de SP, com 468 famílias de sem-teto, ganha mais prazo para negociar

Justiça adia reintegração do Prestes Maia

Roberto Assunção/Folha Imagem
Sala "Território São Paulo", montada no Prestes Maia por artistas que iriam à Bienal de Arte em Havana mas não conseguiram verba


MARIANA TAMARI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu o Sábado de Aleluia dos moradores da maior ocupação vertical do Brasil, o edifício Prestes Maia, no centro da capital paulista. O tribunal adiou, por tempo indeterminado, a reintegração de posse do prédio, que estava prevista para hoje.
A decisão judicial tem caráter provisório, mas dá novo fôlego ao movimento dos mais de 1.600 moradores, que atraiu a atenção de intelectuais e artistas.
A 25ª Vara Cível havia determinado que as 468 famílias que ocupam o prédio teriam até hoje para se retirar do local. Caso contrário, a Polícia Militar seria acionada. Mas o MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro) entrou com um recurso pedindo que a liminar de reintegração fosse adiada, e a petição foi deferida no último dia 5.
A decisão da Justiça também afeta os 13 grupos de arte que montaram no Prestes Maia o "Território São Paulo", uma sala especial da Bienal de Arte em Havana, que está aberta para visitação até o dia 30 de abril.
Os grupos haviam sido convidados para participar da exposição cubana, mas não conseguiram verba para ir até a ilha. Decidiram então mostrar as obras no edifício, para "chamar a atenção para o problema da moradia na capital", de acordo com Maurício Brandão, do grupo Bijari.

Apoio intelectual
O argumento dos advogados para adiar a reintegração de posse é o de que o proprietário do edifício, o empresário do setor têxtil Jorge Hamuche, não tinha a posse anterior do imóvel, pois o prédio encontrava-se abandonado havia 12 anos e não exercia sua função social, como determina a Constituição. Segundo eles, isso invalidaria a liminar de reintegração de posse.
Além disso, os moradores teriam a "posse velha" do imóvel, por lá estarem há mais de um ano e um dia, tendo assim o direito de serem ouvidos antes da decisão sobre o despejo.
Segundo o advogado Pedro Lessi, autor do agravo, "tem que haver audiências, ouvir testemunhas, os depoimentos dos ocupantes do imóvel, e perícia, para avaliar se fizeram benfeitorias".
O professor emérito da Universidade de São Paulo Aziz Ab'Saber, especialista em geografia urbana e econômica, foi um dos intelectuais que se manifestaram contra o desalojamento dos moradores do edifício.
"Seria uma calamidade social", diz. Para ele "a questão não é apenas retirá-los ou não do edifício. O problema é como tratar uma população pobre, briosa e culturalmente intuitiva".
No Prestes Maia vive uma comunidade organizada. Quem sai depois das 22h não pode voltar até as 6h do dia seguinte. Cada família contribui com um valor de R$ 20 por mês para despesas administrativas, usadas para pagar o salário de dois porteiros.
Há um coordenador por andar, responsável pela limpeza e pelas demandas de seus vizinhos em reuniões semanais. A cada 15 dias há uma assembléia geral, da qual até as crianças podem participar. O prédio tem também uma biblioteca com mais de 3.500 livros, montada e administrada pelos moradores.
Ivanete de Araújo, 33, uma das lideranças do MSTC, diz que recobrou o ânimo com a suspensão da reintegração de posse. "Estávamos perdendo a esperança de continuar morando no Prestes Maia."
Araújo é uma das protagonistas do documentário de Toni Venturi, "É Dia de Festa", sobre o movimento de moradia na capital paulista, recentemente exibido no festival de documentários "É Tudo Verdade 2006".
Com mais tempo para permanecer no edifício, ela até admite a possibilidade de deixá-lo: "Acredito que quando sairmos dali, vamos para nossas moradias permanentes".
A Folha tentou ouvir os advogados do proprietário do Prestes Maia para saber que medidas seriam tomadas após a decisão do TJ, mas eles não foram localizados pela reportagem.


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