São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Modelos devem a agências antes da primeira foto

Adiantamento, que inclui passagem e aluguel, é descontado dos cachês iniciais e transforma muitas adolescentes em devedoras

Modelos contam que passaram dificuldades no início da carreira, mas que esquema era a única forma de começar na profissão

Paulo Giandalia/Folha Imagem
Alexia Almeida, que mora num apartamento da agência


NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

A estudante Eugenia Hoffman, 15, mora com os pais em um sítio em Roque Gonzales, cidade de 7 mil habitantes no Rio Grande do Sul. Mês passado, conheceu São Paulo pela primeira vez. A menina está prestes a virar modelo e veio para a capital da moda no país fazer testes e conhecer o apartamento da agência para onde deve se mudar nos próximos meses. "Adorei tudo", diz.
Eugenia ainda nem começou a trabalhar e, por isso, não ganhou dinheiro algum em São Paulo. Mas a garota de 15 anos já tem um débito com a agência que pretende contratá-la: a viagem e a estadia em São Paulo foram pagas por seus futuros contratantes e serão descontadas dos primeiros cachês que ela receber.
A maioria das new faces (nome usado para designar modelos novas no mercado) tem história parecida: elas começam a dever antes mesmo de subir na passarela e posar para uma foto. As principais agências de São Paulo trabalham em esquema de "adiantamento". Ou seja, pagam para as modelos que vêm de outras cidades a passagem, o book, o aluguel em um apartamento que será dividido com outras modelos e, em alguns casos, até uma "semanada" (mesada semanal). Mas tudo é descontado dos primeiros cachês que elas recebem. O "adiantamento" transforma em devedoras garotas que ainda não completaram a maioridade e os "descontos" fazem com que elas demorem a ter em mãos o dinheiro fruto do próprio trabalho.
"Passei alguns meses passando fome, sabe como é, comendo só miojo", diz Michelly Machri, 26, que veio para São Paulo aos 15. Ela assume que foi um aperto, mas não reclama. "Foi a maneira que eu tive de começar na profissão. Seria muito difícil para os meus pais pagarem todas essas despesas", conta a moça, que veio de Florianópolis. "Depois de dois meses em São Paulo comecei a namorar e a filar almoço na casa da sogra", ela conta, sorrindo. Afinal, é um caso bem sucedido. Hoje ganha seu dinheiro e mora com o marido. Não tem nenhuma dívida.
"Eu trabalhava, trabalhava e quando via não sobrava nada na minha mão", diz a estudante Karine Bortolim, 17, que depois de ter caído nas graças do povo da moda e trabalhar como modelo por um ano e meio acabou desistindo da profissão.


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