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GUERRA URBANA
Para Loïc Wacquant, que esteve no Brasil para analisar as desigualdades sociais, é preciso agir no campo social, não só no criminal
"Acontecerá de novo", diz sociólogo francês
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Ataques como os do fim de semana devem ocorrer de novo e só
podem ser evitados se as elites políticas brasileiras e o governo do
país contra-atacarem no campo
social, não no criminal. Polêmica,
essa é a opinião de um especialista
no assunto: Loïc Wacquant, 46,
professor de sociologia da Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador do Centro de
Sociologia Européia em Paris.
Francês, ganhador do prêmio
da Fundação MacArthur, o "prêmio dos gênios", ele estudou no
Brasil as desigualdades sociais, o
sistema carcerário e o judicial, visitas que renderam livros como
"As Prisões da Miséria" (Jorge Zahar, 2001), "Punir os Pobres - A
Nova Gestão da Miséria nos
EUA" (Freitas Bastos Editora,
2001) e "As Duas Faces do Gueto"
(sai em setembro pela Boitempo
Editorial). A seguir, os principais
trechos da entrevista à Folha:
Folha - Por que a situação em São
Paulo chegou a esse ponto?
Loïc Wacquant - Porque nas últimas décadas as elites políticas
brasileiras têm usado o estado penal -polícia, tribunais e sistema
judiciário- como o único instrumento não só de controle da criminalidade como de distribuição
de renda e fim da pobreza urbana.
Expandir esse estado não fará
nada para acabar com as causas
do crime, especialmente quando
o próprio governo não respeita as
leis pelas quais deve zelar: a polícia de São Paulo mata mais que as
polícias de todos os países da Europa juntos, e com uma quase impunidade. Os tribunais agem sabidamente com preconceito de
classe e raça. E o sistema prisional
é um "campo de concentração"
dos muito pobres. Como você pode esperar que esse trio calamitoso ajude a estabelecer a "justiça"?
A manutenção do que chamo
de estado penal só faz com que a
violência institucionalizada alimente a violência criminosa e faça
com que as pessoas tenham medo
da polícia. Cria um vácuo que o
crime organizado sabe muito
bem preencher. Isso permite a
eles que cresçam e sejam tão poderosos e ousados a ponto de desafiar abertamente o Estado e seu
monopólio do uso da violência.
Folha - O sr. acha que os ataques
acontecerão de novo?
Wacquant - Sim, pode-se prever
que acontecerão de novo e de novo, pelo menos enquanto as elites
políticas se recusarem a encarar
de frente as desigualdades vertiginosas. Nenhuma sociedade democrática na face da Terra pode
combater o crime apenas com seu
aparato policial-judiciário.
Quais os remédios? Os de sempre: educação, emprego, seguro
para os desempregados e uma rede social para os mais pobres. O
Brasil paga com violência criminal sua recusa injustificável de encarar sua desigualdade social.
Folha - Uma política de "tolerância zero", a la Rudolph Giuliani
quando prefeito de Nova York, poderia ajudar a resolver o problema?
Wacquant - Seria um erro duplo.
Primeiro porque a queda espetacular do crime em Nova York não
teve nada a ver com a política de
"tolerância zero" de Giuliani, já
estava em curso quando o prefeito apareceu na cena e acontecia
em outras cidades norte-americanas e mesmo canadenses, em lugares que não aplicaram tal política. Segundo porque, no Brasil, aumentar o poder da polícia equivale a restabelecer a ditadura sobre
os pobres e a destruir ainda mais
as bases democráticas do Estado.
Folha - E a pena de morte?
Wacquant - Nunca teve efeito
definitivo em crimes violentos em
nenhum país, por que haveria de
ter no Brasil? Por que bandidos
profissionais, que estão na indústria da violência, temeriam a morte quando eles a vêem diariamente ao redor deles, quando eles matam e são mortos rotineiramente?
Folha - O sr. esteve no Brasil algumas vezes. Teve medo?
Wacquant - Estive sete vezes na
última década. Percebi uma mudança significativa ao longo desse
período, com o medo da violência
crescendo e se espalhando. Se as
elites não se movimentarem, esse
medo jogará o país em um ciclo
vicioso e mortal. O presidente Lula declarou em Viena, no último
fim de semana, que a causa da
violência é a falta de programas
sociais. Ele está certo, mas são só
palavras. Agora, nós precisamos
ver as ações, e elas estão no campo
social, não no campo criminal.
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