São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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No chão e em redes, detentos se animam durante sessão

DA SUCURSAL DO RIO

Na última quinta-feira, a Folha acompanhou uma sessão do "Cine Clube 52ª". Em cartaz, o documentário "Do Lodo ao Lótus", produzido pelo cineasta Marcelo Buainain.
Por volta das 19h30, era evidente a excitação do "coletivo" (como os detentos se referem à massa carcerária). As vozes ultrapassavam as grades e ecoavam pela delegacia.
As atrações da noite de quinta-feira estavam a postos na sala do delegado à espera de autorização para entrar na carceragem da delegacia: o professor Hermógenes, 86, introdutor da ioga no Brasil, o rapper BNegão, Marcelo Yuka e a equipe com os integrantes da Companhia de Cinema Barato e o equipamento de projeção.
Os integrantes da facção criminosa TC (Terceiro Comando) foram os primeiros a assistir à trajetória de um criminoso do Rio Grande do Norte que, adepto da ioga e do budismo, deixa o crime. Quando a grade se abriu, o grupo de mais de 150 internos passou a observar cuidadosamente os convidados para a sessão de cinema.
Acomodados no chão e em redes penduradas até o alto do galpão, eles se misturaram às imagens de Jesus, fotos da família e de mulheres nuas, varais com roupa, ventiladores, centenas de garrafas e sacos plásticos, muitas roupas e mantas empilhadas sob um teto gradeado sem cobertura. Quando chove, é estendida uma lona sobre a cela coletiva. No chão, dois presos dividem cerca de 1 m2.
Falavam pouco e baixo uns com os outros. O máximo que se ouvia é um "terceirou!" (grito de guerra da facção) quando o filme começa. Um dos detentos presentes grita: "Bateu respeito, Marcelão", em consideração ao músico Yuka.
Logo nas primeiras cenas, os internos se entreolharam. É fácil perceber que eles se reconheceram na tela. Imagens do protagonista encarcerado ao lado de policiais armados. Em seguida, concentrados, acompanharam a história que poderia ser a de qualquer um deles.
Ao final, depois do show de BNegão, a sessão foi transferida para o galpão do CV (Comando Vermelho), facção rival. Mais velhos e falantes, os internos do pavilhão participaram ativamente da projeção do documentário exibido no cárcere.
A foto do líder espiritual Sai Baba provocou comentários: "Que cabelo [black power] é esse?!" Os movimentos com o abdômen do iogue também impressionaram. O professor Hermógenes recebeu um elogio dos detentos. "O "coroazinho" é guerreiro mesmo!"
Quando a luz se acende, Yuka comenta: "Eu fui julgado e condenado, sem previsão [de ficar em liberdade], por um crime que não cometi. Sou preso do meu próprio corpo", em referência ao tiro que o deixou paraplégico, em novembro de 2000, na Tijuca (zona norte).
A rotina logo volta ao normal após o fim da sessão. Um dos carcereiros disse que não há "santo" no local, mas que o atual tratamento destinado aos presos pela 52ª DP diminuiu seu trabalho.


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