São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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ATRAÇÃO FATAL

Classe média vê na ostentação um passaporte para o mundo dos ricos e alimenta mercado de grifes

Aspirante a elite compra luxo no crediário

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu não sou, mas preciso parecer que pertenço à classe Ah! Ah! Ah!, a classe A-gargalhada." Assim a publicitária Cristiana Galotti, 33, explica sua fome por produtos de luxo. No caminho entre o trabalho e a loja Daslu, na última quinta-feira, aonde ia assistir ao lançamento da coleção primavera-verão, ela explicou: "Na minha atividade, as pessoas costumam escanear você da sola do sapato até o brinco", diz. "Se estou com a minha [bolsa] Louis Vuitton, os clientes me tratam melhor." Preço da bolsinha: R$ 1.200. Contracheque no fim do mês: R$ 8 mil.
Longe de pertencer à classe "A-gargalhada", sinônimo de afluência sem limites, o jeito para a publicitária foi recorrer ao expediente nacional da compra a prestação. Só no Brasil, lojas como Tiffany, Ermenegildo Zegna, Cartier ou Louis Vuitton vendem a prazo.
O consultor Carlos Ferreirinha, da MCF Fashion, assessoria em negócios de luxo, calcula que 70% das compras no segmento sejam pagas em parcelas (no cartão de crédito ou em vários cheques).
Para a classe média aspirante a um lugarzinho no topo da pirâmide de classe brasileira, é a chance de entrar (e comprar) no maravilhoso mundo das butiques de luxo, lugares que mais se parecem com palcos iluminados, com vitrines que lembram cenários e onde, com um pouco de sorte, se esbarra em celebridades.
"Eu adoro coisa boa. Em férias na França, fiz questão de visitar a fábrica da Louis Vuitton, a 20 minutos de Paris", lembra a consultora de estilo Ana Lúcia Zambon, 29, entusiasta das prestações.
A francesa Claudine Nectoux, gerente da butique Cartier explica a fascinação exercida pelo luxo naqueles nem tão ricos: "Ter um objeto das marcas nobres simboliza que você pertence à elite. Tem, por isso, um sabor de vitória sobre suas próprias origens".
É a mesma Claudine que mostra o colar de diamantes Tendresse (ternura, em francês). Feito em ouro branco, duas pérolas imensas, dez brilhantes, o Tendresse custa R$ 300 mil ou quatro parcelas iguais de R$ 75 mil.
O preço está um pouco salgado? Não tem problema. A sempre simpática Claudine tem opções: o Trinity, três anéis em ouro entrelaçados, pode ser comprado em quatro iguais de R$ 750. "Secretárias e cabeleireiras podem adquirir, assim, o seu Cartier", explica.

Yes, nós temos "luxury"
O mercado nacional de luxo cresceu 33% ao ano nos últimos cinco anos, contra a média do país, que se limitou a 1,5% ao ano no mesmo período. A performance é extraordinária, e deve melhorar ainda mais. "Não se esqueça que a implantação das grandes butiques no Brasil é muito recente, não excedendo cinco ou seis anos", explica Ferreirinha.
O jovem mercado de luxo no Brasil, contudo, já impôs mudanças na paisagem da cidade. Em poucas ruas dos Jardins, quase dividem paredes marcas tão estreladas quanto Armani, Cartier, Montblanc, Versace ou Louis Vuitton, entre outras.
Há uma década, brasileiro em aeroporto no exterior era sinônimo de problemas de excesso de bagagem, tantas as mercadorias compradas nas lojas de departamento nos Estados Unidos, Itália ou França. "A gente parecia sacoleiro", lembra o estilista paulistano Sergio Kamalakian, 22, assumidamente vaidoso e consumista. "Agora, graças a Deus, não somos mais assim."
Yes, nós temos "luxury" (luxo, em inglês) em casa. Mas de um modo como em nenhum outro lugar do mundo. Podemos ir à loja e encontrar um vendedor falando português. Podemos sentar e tomar uísque, champagne ou café de graça, enquanto escolhemos as peças (fora do país, essas mordomias são invulgares e o tratamento, mais distante). E ainda por cima, podemos pagar em parcelas.
Dito assim, parece fácil ser consumidor de luxo. Não é. Dono de um automóvel Mercedes-Benz ML, colecionador de relógios e de sapatos, Kamalakian fala cinco línguas, viaja três vezes por ano ao exterior em busca de informações (fora as duas vezes em que sai de férias), estudou administração de empresas, direito e relações internacionais. "Vivo pesquisando as novidades", diz.
Para quem não tenha essa disponibilidade toda, as lojas dão uma forcinha. "Precisamos ajudar o consumidor brasileiro a entender o que está comprando", explica a gerente geral da Tiffany Brasil, Laura Maria Pedroso, 37. Explica-se: em dois diamantes que olhos leigos consideram iguais, escondem-se detalhes microscópicos que fazem um valer R$ 60 mil e, outro, R$ 180 mil.
A saída? Cursos intensivos. A Tiffany, por exemplo, organiza palestras, cada uma para até 40 pessoas, na sede paulistana, no bairro dos Jardins. Em Brasília, uma palestra teve de comportar 150 alunos compenetrados em entender os segredos da lapidação e seus resultados sobre o brilho e a cintilância do diamante.
Na boutique Ermenegildo Zegna, a clássica grife masculina italiana, o esforço de formação da clientela não fica atrás. Pacientemente, o gerente geral Luciano Rossi, 34, explica os segredos da alta alfaiataria. Desde o tipo de ovelha de que se extrai a lã, até como usar os costumes feitos sob medida na matriz européia. "Aquilo que o cliente europeu aprendeu ao longo de séculos de convívio com as marcas de luxo, o brasileiro está tendo de aprender rápido, para consumir bem."
"Olha, há anos eu consulto regularmente o site www.e-luxury.com", aconselha a consultora de estilo Ana Lúcia Zambon. "Lá tem tudo o que importa no mundo do alto luxo. Também sou uma consumidora voraz de revistas importadas", confessa. "Eu odeio ostentar a marca, mas adoro sinalizar que sou uma pessoa superbem-informada", diz Ana Lúcia, a bordo de um imenso par de óculos Versace. Caro? Sim, mas um sonho se realizou. Preço: R$ 1.500, em três vezes no cartão.

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