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Açaí conquista o mundo, mas se elitiza na Amazônia
Popularização da fruta em São Paulo, Rio e exterior fez preço disparar e reduziu consumo em sua terra natal
Para historiadora, há mudança profunda na identidade regional; a longo prazo, diz, valor do açaí será simbólico
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BELÉM
A popularização do açaí
no mundo está elitizando o
consumo da fruta em sua terra natal, a Amazônia. Números divulgados recentemente
mostram que, nos últimos 16
anos, ele se tornou um alimento caro -e isso pode indicar uma mudança profunda na identidade regional,
diz uma estudiosa.
Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o litro do açaí no
Pará, que custava R$ 1,50 em
1994, subiu 650%. Hoje, chega a custar mais de R$ 11.
Se tivesse aumentado no
ritmo da inflação, estaria só
em R$ 5,50. E o preço pesa,
por dois motivos.
Primeiro, porque o consumo é alto: tradicionalmente,
o açaí era servido no café da
manhã, almoço e jantar.
Segundo, porque os que
mais dependiam da fruta
eram os mais pobres. No Pará, 1,2 milhão de pessoas ganha menos do que um salário
mínimo (R$ 510).
Resultado: cada vez os paraenses comem menos açaí.
Apesar de não existirem dados estatísticos, a tendência
não deve arrefecer, afirma
Roberto Sena, do Dieese.
"Podemos dizer com tranquilidade: o açaí não é mais o
arroz com feijão do paraense", diz, lembrando que até o
vermelho da bandeira do Pará é associado à fruta.
Sena atribui a explosão do
preço ao aumento gigantesco da demanda, que ultrapassou em muito a capacidade de produção.
Antes uma fruta de consumo apenas local, há cerca de
dez anos seu gosto invadiu as
academias e praias de São
Paulo e do Rio, o mercado
dos EUA e a Europa.
"SUPERSAUDÁVEL"
Levado pela fama de ter
elementos antioxidantes e
retardar o envelhecimento,
ele foi adotado pela megacelebridade americana Oprah
Winfrey, já eleita a "mulher
mais influente do mundo".
Nos últimos dois anos,
Winfrey "bombou" a "comida supersaudável", como o
açaí foi apelidado por médicos dos EUA, em seu programa de TV e em seu site.
Na trajetória fora da Amazônia, ele virou suco industrializado, foi embalado em
pílulas e, mais comum, servido doce em tigelas com frutas
e granola -o que, para os paraenses acostumados a comê-lo grosso, com peixe ou
charque, é uma piada.
A historiadora Leila Mourão vê na elitização e substituição do açaí um signo de
um movimento histórico
mais amplo: a integração da
cultura amazônica com o resto do mundo, intensificada
na ditadura militar (1964-85).
"Mas não se transforma o
hábito por opção, e sim por
necessidade econômica. Hoje, é elegante, civilizado comer arroz e macarrão. Se você olhar a propaganda dos
supermercados, nos jornais,
o que aparece? Pizzas, churrascos. Açaí não dá status."
Mourão, que fez seu doutorado em história social sobre a cultura da fruta, acredita que, no longo prazo, seu
valor será apenas simbólico.
Em sua pesquisa, ela notou que, nos últimos dez
anos, metade das bancas
avulsas que vendiam a fruta
em Belém sumiu.
"O consumo migrou para
as grandes redes de supermercados. De certo modo, a
comida foi desumanizada. É
toda uma tradição que está
se perdendo", afirma.
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