São Paulo, Domingo, 15 de Agosto de 1999
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PERFIL
Suspeito de corrupção, vereador põe em risco um dos sobrenomes mais tradicionais da política paulista
Investigação ameaça marca Faria Lima

OTÁVIO CABRAL
da Reportagem Local
O pai foi deputado federal. Um primo, deputado estadual. Um tio-avô, presidente da Petrobras e governador do Rio de Janeiro. Outro tio-avô, ex-prefeito de São Paulo, hoje é nome de avenida. Ele, Paulo Roberto Faria Lima, é vereador pelo PMDB paulistano. Envolvido em acusações de corrupção, corre o risco de perder o mandato e sujar um dos sobrenomes mais tradicionais da política brasileira.
Paulo Roberto foi o primeiro vereador envolvido no escândalo de corrupção que assola a Câmara Municipal. Mas sua influência sobre os demais vereadores e seu modo agressivo de agir nos bastidores conseguiram desviar o foco das investigações para nomes mais fracos, como Vicente Viscome, José Izar e Maeli Vergniano.
Em dezembro, Marco Antonio Zeppini, chefe dos fiscais da Regional de Pinheiros, foi preso extorquindo R$ 30 mil de Soraia da Silva, que tentava abrir uma academia de ginástica. A prisão desencadeou a investigação e a CPI da máfia da propina. Como Paulo Roberto Faria Lima controlava politicamente a regional, seu nome veio à tona, como beneficiário do esquema. Mas parou por aí.
Oito meses depois, Zeppini disse que estava cansado de "levar a culpa sozinho" e incriminou o vereador. Disse que era obrigado a arrecadar R$ 120 mil mensais, que eram destinados à campanha do pai do vereador, José Roberto Faria Lima, candidato derrotado a deputado estadual no ano passado pelo PPB. Paulo Roberto nega, mas dois funcionários da regional confirmam o depoimento de Zeppini. O vereador está sendo investigado pela polícia e corre o risco de ter um processo de cassação aberto na Câmara.
Esse é o maior escândalo envolvendo o sobrenome Faria Lima, presente no cenário político brasileiro desde a década de 50. Mas não é o primeiro. Em abril de 1968, seu tio-avô, o brigadeiro José Vicente de Faria Lima, era prefeito de São Paulo pelo MDB. Foi acusado pelo vereador oposicionista Eduardo de Souza Queirós (Arena) de utilizar material de construção e funcionários da Divisão de Parques e Jardins da prefeitura na obra de sua casa de campo, em Mairiporã (SP).
A denúncia foi descoberta quando um caminhão da prefeitura capotou próximo à casa de campo. O brigadeiro confirmou que o material e o funcionário foram enviados à sua propriedade. Mas disse que não havia autorizado e culpou um assessor. A oposição pediu uma sindicância, mas a maioria governista na Câmara conseguiu abafar o caso.
Anos depois, o pai do vereador, José Roberto Faria Lima, entrou na política. Foi deputado por duas vezes, entre 1970 e 1978. Desde então, a carreira política entrou em decadência. Perdeu eleições para senador, vice-governador, deputado estadual e deputado federal. Mesmo assim, conseguiu o cargo de diretor da Prodam (empresa municipal de processamento de dados) no governo Maluf (93-96).
Segundo o Ministério Público, José Roberto utilizou o cargo para nomear funcionários fantasmas. Por isso, ele está respondendo a processo. Se condenado, pode perder os direitos políticos para sempre e ter de pagar uma multa de cerca de R$ 700 mil.
Mas o clã Faria Lima não é só marcado por irregularidades. O sobrenome é associado também a administradores competentes e modernizadores. Como Floriano Peixoto Faria Lima, tio-avô do vereador e irmão do brigadeiro. Em três anos à frente da Petrobras, aumentou 25% a produção brasileira de petróleo.
O brigadeiro José Vicente é considerado um dos melhores prefeitos da história de São Paulo. Eleito em 1965 com 30% dos votos, deixou obras que ainda marcam a paisagem paulistana, como as marginais, a praça Roosevelt e as avenidas 23 de Maio, Radial Leste e Radial Oeste, rebatizada como Brigadeiro Faria Lima após sua morte. Foi também o idealizador das administrações regionais, que 30 anos depois trouxeram problemas a vários vereadores, inclusive o seu sobrinho-neto.
Com tanta influência familiar, Paulo Roberto decidiu ainda jovem seguir a carreira política. Já na Universidade Mackenzie, onde cursou engenharia de produção, participou da política estudantil. Pouco após a formatura, disputou a eleição para vereador, em 1988. Perdeu, mas não desistiu.
Quatro anos depois, foi eleito com 10.731 votos. Ganhou o controle político da Administração Regional do Jabaquara e viu seu eleitorado triplicar. Em 1996, foi reeleito com 39.730 votos. A boa votação garantiu a ele uma regional de maior prestígio, a de Pinheiros, que controlou entre 1997 e o início deste ano.
Mas não foi só a votação expressiva que garantiu poder a Paulo Roberto Faria Lima. Vereadores contam que ele é o parlamentar mais bem informado da Câmara e utiliza o que sabe para pressionar adversários e aliados.
Segundo um colega de partido, Paulo Roberto grava todas as conversas telefônicas e anda sempre com um gravador no bolso. Depois, utiliza as fitas para conseguir apoio. Com esse método, disse o colega de partido, conseguiu o controle da Regional de Pinheiros e influenciou na eleição de dois presidentes da Casa: Nelo Rodolfo e Armando Mellão.
Um assessor do vereador explica que ele prefere não ocupar a presidência, mas manipular o presidente. Explica a opção com uma frase: "É melhor ter poder que ter cargo".
O corpo é outra forma de pressão utilizada por Paulo Roberto para intimidar adversários. Forte, com mais de 1,90 m, é faixa preta de caratê e de taekwondo e se exercita diariamente. Um inimigo político afirma que o aperto de mão do vereador é tão forte que já é uma espécie de ameaça.
Sempre agindo nos bastidores, sem aparecer na imprensa, o caçula do clã Faria Lima passou mais tempo que o habitual na Câmara na semana passada. Trabalhando nos vários computadores de seu gabinete e navegando na Internet, armou um plano para desviar o foco de investigação.
Convenceu a colega de bancada Miriam Athiê a apresentar um pedido de CPI, apenas com a intenção de atrapalhar a oposição, que também quer uma comissão de inquérito. E, mesmo sabendo que o pedido é ilegal, pediu a própria cassação. Apenas para ver o processo arquivado.
Com isso, tem dois objetivos: salvar o próprio mandato e não sujar o sobrenome Faria Lima, sua maior bandeira eleitoral.


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