São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

Próximo Texto | Índice

ÚLTIMOS REGISTROS DA DETENÇÃO

Os últimos 76 detentos vão ser transferidos hoje; no local, projeto prevê centro cultural

177 mil homens passaram pelo maior presídio da América Latina

Carandiru, 46 anos, fechado

João Wainer
A "isolada", apelido dado para a cela de isolamento onde são encaminhados os detentos que recebem punição depois de cometer algum tipo de infração


ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

O último ""bonde" de presos parte hoje, às 9h30, da maior cidade-prisão da América Latina. Levará consigo os derradeiros 76 moradores da Casa de Detenção de São Paulo, no complexo do Carandiru (zona norte). E pela primeira vez em 46 anos e quatro dias, após a saída deles, não vai ter risco de fuga, rebelião ou morte dentro dos pavilhões.
Cenário de tragédias como o massacre dos 111 detentos, em outubro de 92, e epicentro da maior rebelião da história do país, no ano passado, o fim do lugar era uma promessa que se arrastava por quase 20 anos, adiada várias vezes, entre outros motivos, por falta de dinheiro e explosão do número de presos no Estado.
O próprio PSDB, que governa São Paulo desde 95, anunciou duas vezes planos para desativar a unidade, voltou atrás e chegou a pensar em aumentar em 3.000 o número de encarcerados do presídio, que já abrigava na época mais de 8.000 criminosos.
""Não é a solução dos problemas carcerários [o fim da Detenção", mas é simbólico e emblemático", afirma o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, 63, o primeiro a propor a desativação, quando era secretário da Justiça em 83.
Para entender o que isso significa é preciso caminhar pelos corredores dos sete pavilhões. As escadas ficam no escuro, não há vidros nas janelas das celas. São cinco andares por prédio. Venta forte e cheira mal. Há camas amontadas, suspensas com ferros e madeiras, como gavetas de móveis. Na Casa de Detenção poderiam morar no máximo 3.500 presos.
""O Estado prende pessoas para torná-las melhor. Não era isso que acontecia na Detenção. Era muito grande, não se tinha controle dos presos", diz o secretário Nagashi Furukawa (Administração Penitenciária), 53.
Um traficante ligado ao PCC (Primeiro Comando da Capital) disse à Folha que faturava, em 2001, R$ 2.000 por dia vendendo drogas no presídio. Em 2.000, a Detenção bateu a Colômbia em taxa de homicídios: 26 mortes por 10 mil contra 7,8 do país vizinho, que vive uma guerra civil.
Hoje, após a saída dos detentos, o governador Geraldo Alckmin assina o decreto que extingue a Detenção. No lugar, será construído um parque público, com centro de cultura e formação profissional e áreas de lazer.
Os transferidos estão indo para prisões menores, mas que já funcionam superlotadas. O Estado tem um déficit de 27,5 mil vagas e 107,7 mil presos.


Próximo Texto: O fim do Carandiru: Trajetória expõe falhas de sistema no país
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.