São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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TRÂNSITO

Os 5 condenados por matar ou ferir no tráfego da capital paulista em 2000 e 2001 apenas prestaram serviços à comunidade

Código não pune culpado de morte com prisão em SP

EDUARDO ATHAYDE
DO "AGORA"

Quatro anos e oito meses depois de o Código de Trânsito Brasileiro entrar em vigor, matar ou ferir no tráfego paulistano raramente leva o culpado pelo acidente à cadeia.
Em 2000 e 2001, a 1ª Delegacia de Crimes de Trânsito do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) identificou 52 pessoas que foram consideradas pela polícia culpadas por atropelamentos ou por acidentes que resultaram em morte ou lesão corporal grave.
Desses 52 casos, a reportagem teve acesso a 45 processos e em nenhum deles a Justiça determinou a prisão do motorista. Pelo contrário, em 30 deles, houve o arquivamento do processo e, em apenas cinco, condenação. Todas elas, porém, de caráter de prestação de serviços à sociedade.
"Na maioria dos casos, a punição se limita à entrega de cestas básicas a entidades sociais ou a prestações de serviços à comunidade", afirmou Casen Mazloun, juiz federal da 1ª Vara Criminal de São Paulo. Os outros dez processos estão em andamento.
Na maioria dos casos de processos arquivados, ocorreu omissão de socorro. Também houve situações em que o réu não tinha carteira de habilitação ou trafegava em velocidade acima do permitido. "É a total desmoralização da Justiça criminal", afirmou o presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, Luiz Flávio Borges D'Urso.

Falta de punição
O ex-juiz da 1ª Vara de Delitos de Trânsito de Curitiba e atual desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Octávio César Valeixo, fez uma pesquisa entre 1980 e 1990 que mostrou que, em apenas 3% dos casos de crimes de trânsito ocorridos no Brasil, a Justiça condenou o responsável. "Infelizmente, 12 anos depois a situação continua praticamente a mesma", disse.
A falta de punição está alicerçada nas brechas legais previstas no código, na falta de critérios da Justiça e na dificuldade de encontrar testemunhas e provas materiais do acidente ou atropelamento.
"É praticamente impossível alguém ser preso por cometer um crime de trânsito", disse o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Promotoria de Justiça Criminal, Rodrigo Canellas Dias.
A ineficiência policial em localizar o culpado pelo acidente ou pelo atropelamento pode ser apontada como um dos fatores que contribuem para a impunidade.
Em 1998, a 1ª Delegacia da Divisão de Crimes de Trânsito do Detran -que tem como principal finalidade investigar crimes de trânsito ocorridos na cidade de São Paulo- recebeu 262 casos para serem investigados. Cerca de 90% deles são referentes a atropelamentos e a acidentes com ou sem vítimas fatais.
Dos 262 casos, em apenas 26, ou seja, em 10%, o órgão estadual conseguiu identificar o culpado pelo acidente ou pelo atropelamento. Em 1999, dos 255 casos registrados, em apenas 30, os policiais conseguiram chegar ao provável culpado, o que corresponde a 12%. Em 2000, houve 196 crimes de trânsito e, em 41 deles, o culpado foi localizado, o que representa 21%. No ano passado, foram 181 casos e 35 solucionados, ou 19%.

Investigação
A situação de ineficácia da polícia pode ser ainda maior. A 1ª Delegacia do Detran investiga apenas casos em que a vítima morre no local ou aqueles em que as delegacias de polícia comuns não conseguem achar o culpado pelo crime de trânsito.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública, contudo, não dispõe de dados específicos sobre os crimes de trânsito solucionados pelas delegacias comuns. Para agravar a situação, os casos investigados pelo Detran representam apenas cerca de 20% dos crimes de trânsito ocorridos na capital.
Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), de 1998 a 2001, 2.416 pessoas morreram atropeladas em São Paulo. "A falta de um controle por parte da Secretaria da Segurança Pública demonstra o total desprezo que as autoridades têm com a questão do trânsito", disse Salomão Rabinovich, diretor do Cepat (Centro de Psicologia Aplicada ao Trânsito) e presidente da Avitran (Associação das Vítimas de Trânsito).
De acordo com a CET, os números de atropelamento na cidade podem ser maiores. Isso porque muitos dos atestados de óbito de vítimas do trânsito não informam a causa exata da morte e os dados da companhia levam em consideração apenas casos em que o IML (Instituto Médico Legal) indica como causa da morte lesões provocadas por acidentes de trânsito.
Para Roberto Scaringella, ex-secretário municipal dos Transportes e atual consultor de trânsito, a não-regulamentação do artigo do Código de Trânsito Brasileiro que prevê a obrigatoriedade da inspeção veicular contribui para o grande número de acidentes.


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