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PASQUALE CIPRO NETO
Caçar e cassar
"Era uma vez um czar naturalista que caçava homens. / Quando lhe disseram que
também se caçam borboletas e
andorinhas, ficou muito espantado / e achou uma barbaridade."
Reconheceu, caro leitor? É a íntegra do poema "Anedota Búlgara", presente em "Alguma Poesia", primeiro livro (de 1930) de
Carlos Drummond de Andrade.
Intemporal, o poema se refere aos
poderosos que, representados no
texto pelos czares da antiga Rússia, são hipócritas e absolutamente indiferentes à sorte da patuléia
(como diz o grande Elio Gaspari).
Pois de vez em quando poderosos (e ex-poderosos) se estranham, e o resultado é uma verdadeira caçada, que às vezes acaba
em cassação ou em ergástulo (belo termo do juridiquês, que na língua do povo se traduz mesmo por
cadeia, cana, xilindró, xadrez).
Chegamos ao nosso busílis, isto
é, ao xis do problema: os homônimos, que nada mais são do que
palavras que se pronunciam da
mesma forma, mas se escrevem
de modo diverso (e, obviamente,
têm significado também diverso).
O verbo "caçar" vem do latim
vulgar "captiare", que, por sua
vez, vem da forma clássica "captare", que é também a raiz de
"captar" e "catar". Em todos os
termos está presente a noção de
"agarrar", "tomar", "apanhar".
O homônimo "cassar" também
vem do latim ("cassare", que significa "tornar nulo, sem efeito").
O curioso é que não raro (ato
falho?) os nossos jornais trocam
"cassar" por "caçar", no texto e
nos títulos, e fazem, por exemplo,
um tribunal ou uma casa parlamentar "caçar" uma liminar, um
mandado de segurança ou o
mandato de um deputado. Há
poucos dias, a Folha publicou este
trecho: "Para garantir a aprovação do projeto de lei 2.401 e caçar
o poder da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança...". No
lugar de "caçar", leia-se "cassar".
Pois bem, já que falamos de homônimos, convém aproveitar a
ocasião para estender a conversa
a outros casos de palavras que
têm pronúncia igual ou parecida,
mas apresentam grafia e significado diferentes. No parágrafo anterior, empreguei uma dessas duplas ("mandado" e "mandato",
que muita gente boa confunde).
O mandato é uma delegação,
ou seja, uma autorização ou procuração que alguém (o eleitor,
por exemplo) confere a outrem
(um senador, deputado, prefeito,
presidente, governador etc.) para
agir (honestamente, supõe-se) em
seu nome. O mandado é simplesmente uma "ordem escrita que
emana de autoridade judicial ou
administrativa" ("Aurélio").
Outra dupla perigosa é formada
por "seção" e "sessão". A seção
(que é o ato de secionar, isto é, de
cortar, fracionar) é um segmento,
uma parte de um todo. É por isso
que se trabalha numa seção de
peças, por exemplo. O termo "secção" é absolutamente equivalente
a "seção", por isso é possível seccionar ou secionar, fazer o seccionamento ou o secionamento (de
uma reta, por exemplo).
A sessão é o "tempo ou período
em que uma assembléia, um congresso, um corpo deliberativo ou
consultivo se mantém em reunião, estudando, discutindo, resolvendo ou deliberando acerca
de fatos..." ("Houaiss").
Enquanto escrevo este texto, desenrola-se a sessão da Câmara
que trata da possível cassação de
Roberto Jefferson, aquele que denunciou a cessão de dinheiro do
PT para o PTB. Ai, ai, ai... É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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