São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pimenta na calçada vira arma contra cocô de cachorro

Moradora "tempera" calçada em Santana para evitar sujeira dos cães; em Higienópolis, pet shops patrocinam distribuição de saquinhos

ESTÊVÃO BERTONI
DA REPORTAGEM LOCAL

Estão ardidas as calçadas de Copacabana, uma rua em Santana, na zona norte de São Paulo, onde mora a auxiliar de enfermagem Lígia Santos, 60.
Cansada de atolar o pé em cocôs de cachorro na porta de casa toda manhã, ela apelou para uma tática que considera altamente eficaz para espantar a cachorrada: destampou o vidro de conserva e "temperou" a calçada com pimenta. "Funciona que é uma beleza", afirma a auxiliar de enfermagem.
Em média, 12 pessoas ligam diariamente para a prefeitura para solicitar a limpeza de vias públicas -sujas não só por fezes de cachorro. A Folha visitou alguns bairros e constatou que a insatisfação é grande.
Fixada em 2001, a lei municipal 13.131 estipula uma multa de R$ 10 para quem não recolher das ruas as fezes de animal -longe dos valores da Lei Cidade Limpa, de no mínimo R$ 10 mil para quem descumpri-la. De difícil fiscalização, como reconhece a própria prefeitura -que não informou se já foi registrada alguma punição-, os moradores vão se virando para contornar a sujeira.

Cartaz e café
A batalha de Lígia, por exemplo, vem de longa data. Há alguns meses, colou no muro o cartaz: "Cuidado com o cão, veneno no chão". Para dar um tom verídico, espalhou pó de café na entrada de casa.
Resultado: ganhou inimizades, travou bate-bocas e recebeu até ameaça de que aquilo viraria caso de polícia. "A vizinha disse que ia me processar, chamar a polícia. Pode chamar, eu tenho razão", esbraveja a auxiliar de enfermagem.
Sem lixeira nos arredores, a Copacabana paulistana tem trechos intransitáveis. Ao lado da casa de Lígia, onde há uma construção, os cocôs se proliferam. "Os donos até recolhem a sujeira em saquinhos, mas jogam na rua, onde ninguém reclama", conta.
A lata de lixo mais próxima aliás, não fica nem na rua, mas em uma banca de jornais, e traz uma placa que pede aos moradores o favor de não jogarem ali cocô de seu cachorro.
Celina Maeda, dona da banca, se justifica: "O lixo da rua só é recolhido terça, quinta e sábado. Se eu permitir que joguem cocô de cachorro, fica um cheiro ruim que espanta os fregueses". Para ela, a questão é simples: o dono deveria levar para casa a sujeira feita por seu cão.
É o que faz a aposentada Ivone Pelliciari de Almeida, 66, que mora a poucas ruas de Lígia. Ao passear com a fox paulistinha Xuxa, 13, leva um aparato que consiste em papel toalha, saco plástico e serragem, que, segundo ela, facilita a limpeza quando o cocô está mole. Ela, porém, reclama do bairro: "Minha netinha aprendeu a falar cocô de tanto ver nas ruas".

Lixeira com mensagem
Se morasse na rua Cayowaá, em Perdizes (zona oeste), a neta de dona Ivone talvez adotasse outro vocabulário. Uma ONG, distribuiu lixeiras pela rua com os dizeres: "Calçada não é privada, é pública".
Mas a iniciativa não foi estendida a todo o bairro. É disso que reclama a psicóloga Marita Soares, que passeia por lá todo dia com Baldo, um pastor alemão. "Não vejo isso nas outras ruas."
Aparentemente limpos, praças e parques têm de ser cuidados o tempo todo. Compete a Valderi Sousa, 43, a limpeza diária da Benedito Calixto, em Pinheiros (zona oeste). Contratado pela associação de amigos da praça, ele lamenta: "Se soubesse que você viria, tinha deixado num canto para te mostrar. Dá pra vender de quilo".
Na praça Buenos Aires, em Higienópolis (centro), mesmo com a distribuição de saquinhos patrocinada por pet shops do bairro, a sujeira é grande, e o trabalho, árduo. Renato Cordeiro, 23, responsável pela limpeza, diz encher um saco de 40 litros por dia com fezes de cão.
Enquanto as multas ainda não são aplicadas, Lígia continuará recorrendo à pimenta, que já perdia a validade. Despediu-se da reportagem com a promessa de aplicar uma nova demão na calçada em breve.


Texto Anterior: Secretaria aponta sumiço de 71 árvores na Sé e República
Próximo Texto: Aviação: Gravação revela quase colisão de aviões há 3 meses
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.