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Pimenta na calçada vira arma contra cocô de cachorro
Moradora "tempera" calçada em Santana para evitar sujeira dos cães; em Higienópolis, pet shops patrocinam distribuição de saquinhos
ESTÊVÃO BERTONI
DA REPORTAGEM LOCAL
Estão ardidas as calçadas de
Copacabana, uma rua em Santana, na zona norte de São Paulo, onde mora a auxiliar de enfermagem Lígia Santos, 60.
Cansada de atolar o pé em cocôs de cachorro na porta de casa toda manhã, ela apelou para
uma tática que considera altamente eficaz para espantar a
cachorrada: destampou o vidro
de conserva e "temperou" a calçada com pimenta. "Funciona
que é uma beleza", afirma a auxiliar de enfermagem.
Em média, 12 pessoas ligam
diariamente para a prefeitura
para solicitar a limpeza de vias
públicas -sujas não só por fezes de cachorro. A Folha visitou alguns bairros e constatou
que a insatisfação é grande.
Fixada em 2001, a lei municipal 13.131 estipula uma multa
de R$ 10 para quem não recolher das ruas as fezes de animal
-longe dos valores da Lei Cidade Limpa, de no mínimo R$
10 mil para quem descumpri-la. De difícil fiscalização, como
reconhece a própria prefeitura
-que não informou se já foi registrada alguma punição-, os
moradores vão se virando para
contornar a sujeira.
Cartaz e café
A batalha de Lígia, por exemplo, vem de longa data. Há alguns meses, colou no muro o
cartaz: "Cuidado com o cão, veneno no chão". Para dar um
tom verídico, espalhou pó de
café na entrada de casa.
Resultado: ganhou inimizades, travou bate-bocas e recebeu até ameaça de que aquilo
viraria caso de polícia. "A vizinha disse que ia me processar,
chamar a polícia. Pode chamar,
eu tenho razão", esbraveja a auxiliar de enfermagem.
Sem lixeira nos arredores, a
Copacabana paulistana tem
trechos intransitáveis. Ao lado
da casa de Lígia, onde há uma
construção, os cocôs se proliferam. "Os donos até recolhem a
sujeira em saquinhos, mas jogam na rua, onde ninguém reclama", conta.
A lata de lixo mais próxima
aliás, não fica nem na rua, mas
em uma banca de jornais, e traz
uma placa que pede aos moradores o favor de não jogarem ali
cocô de seu cachorro.
Celina Maeda, dona da banca, se justifica: "O lixo da rua só
é recolhido terça, quinta e sábado. Se eu permitir que joguem
cocô de cachorro, fica um cheiro ruim que espanta os fregueses". Para ela, a questão é simples: o dono deveria levar para
casa a sujeira feita por seu cão.
É o que faz a aposentada Ivone Pelliciari de Almeida, 66,
que mora a poucas ruas de Lígia. Ao passear com a fox paulistinha Xuxa, 13, leva um aparato que consiste em papel toalha, saco plástico e serragem,
que, segundo ela, facilita a limpeza quando o cocô está mole.
Ela, porém, reclama do bairro:
"Minha netinha aprendeu a falar cocô de tanto ver nas ruas".
Lixeira com mensagem
Se morasse na rua Cayowaá,
em Perdizes (zona oeste), a neta de dona Ivone talvez adotasse outro vocabulário. Uma
ONG, distribuiu lixeiras pela
rua com os dizeres: "Calçada
não é privada, é pública".
Mas a iniciativa não foi estendida a todo o bairro. É disso que
reclama a psicóloga Marita Soares, que passeia por lá todo dia
com Baldo, um pastor alemão.
"Não vejo isso nas outras ruas."
Aparentemente limpos, praças e parques têm de ser cuidados o tempo todo. Compete a
Valderi Sousa, 43, a limpeza diária da Benedito Calixto, em Pinheiros (zona oeste). Contratado pela associação de amigos da
praça, ele lamenta: "Se soubesse
que você viria, tinha deixado
num canto para te mostrar. Dá
pra vender de quilo".
Na praça Buenos Aires, em
Higienópolis (centro), mesmo
com a distribuição de saquinhos
patrocinada por pet shops do
bairro, a sujeira é grande, e o trabalho, árduo. Renato Cordeiro,
23, responsável pela limpeza,
diz encher um saco de 40 litros
por dia com fezes de cão.
Enquanto as multas ainda
não são aplicadas, Lígia continuará recorrendo à pimenta,
que já perdia a validade. Despediu-se da reportagem com a
promessa de aplicar uma nova
demão na calçada em breve.
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