|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FAB oculta falha de rádio em acidente da Gol
Das quatro freqüências que os pilotos do Legacy poderiam ter usado, duas estavam indisponíveis para o controlador e outra, inoperante
Procurada, a Aeronáutica informou que não pode especular sobre "hipóteses" relativas à investigação ainda em curso
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ao culpar apenas um controlador brasileiro e os pilotos
norte-americanos pela falha de
comunicações que contribuiu
para a colisão com o vôo 1907
da Gol, a FAB (Força Aérea
Brasileira) oculta deficiências
no sistema de rádio no Cindacta-1 que atrapalharam as tentativas de contato entre o Legacy
e o centro em Brasília no dia do
acidente, há um ano.
As transcrições completas
das conversas de rádio entre o
controle e aviões na região do
acidente, obtidas e analisadas
pela Folha, provam também
que o Cindacta-1 recebeu e ignorou pelo menos três chamadas do Legacy antes da batida.
O motivo está ligado às limitações de equipamentos: das
quatro opções de freqüência
que os pilotos americanos poderiam ter usado, conforme a
carta aeronáutica brasileira,
duas estavam indisponíveis para o controlador e uma nem sequer estava em operação.
Em resumo, havia apenas
uma freqüência possível e os
pilotos americanos nunca receberam instrução para sintonizar nela, conforme já foi divulgado. Esse erro, segundo Inquérito Policial Militar da FAB
sobre o comportamento de
seus integrantes no dia, é do
controlador Jomarcelo dos
Santos, denunciado por homicídio às Justiças Civil e Militar.
Mesmo assim, o Legacy tentou fazer chamadas nas freqüências "corretas", mas as limitações no Cindacta-1 prejudicaram suas chances.
Freqüências
A região do acidente se chama setor 7 no mapa do espaço
aéreo. Na carta aeronáutica,
são listadas as freqüências que
devem ser usadas na região:
123,30 MHz, 128,00 MHz,
133,05 MHz e 135,90 MHz. Cada setor tem sua lista própria.
Os pilotos devem ser informados pelo Cindacta qual delas
devem usar, enquanto os controladores escutam e transmitem em até seis freqüências simultaneamente em seu console (estação de trabalho). Em 29
de setembro de 2006, porém,
os controladores do setor 7 só
tinham à disposição a freqüência 135,90 Mhz. As outras cinco
eram dos setores 8 e 9, que também vigiavam naquele dia.
As revelações não eximem os
controladores de responsabilidade pelas falhas já comprovadas nas investigações: autorizar
altitude em rota de colisão para
o jato, negligenciar o monitoramento do Legacy e não acionar
procedimentos previstos para
falhas de comunicação que poderiam ter evitado o acidente.
Nem tampouco tira a responsabilidade dos pilotos Joseph
Lepore e Jan Paladino por voar
com o transponder (equipamento que alimenta o sistema
anticolisão) desligado.
Contudo, explicita que o funcionamento do sistema de rádio da FAB -instrumento que
é a base do controle aéreo-
tem falhas. Na época do acidente, a cobertura de radar de parte
do setor 7 não ia para Brasília,
criando uma "zona cega" de
transição rumo a Manaus. Esse
problema já foi resolvido.
Procurada para esclarecer
essas questões, a FAB informou
que não pode especular sobre
"hipóteses" relativas à investigação ainda em curso.
As transcrições são assinadas
pelo major Fernando Siqueira,
chefe do Sipacea (Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes e Incidentes) e foram
cruzadas pela reportagem com
laudos da Polícia Federal e com
a caixa-preta do Legacy.
Após sair de São José dos
Campos, o Legacy passou a ser
monitorado pelo Cindacta-1,
que passaria as freqüências que
deveriam ser usadas em cada
setor da rota. Nos dois primeiros setores, os contatos ocorreram com sucesso. Quando o jato chega ao setor 5, o controlador o orienta a alternar o rádio
para 125,05 MHz para falar
com o próximo setor, o 7. Ele
não deu uma segunda opção,
conforme a praxe. O problema
é que essa freqüência é do setor
9 e seu alcance é insuficiente no
setor 7. Ou seja, o piloto recebeu uma freqüência inútil após
a saída da região de Brasília.
A FAB culpa o controlador
Jomarcelo dos Santos por não
instruir o avião em tempo a
usar a freqüência 135,90 Mhz,
específica do setor sob sua responsabilidade, o 7. Mas não explica por que a freqüência de
outro setor era usada pelo jato.
O motivo, segundo controladores ouvidos pela Folha, está
ligado à qualidade das freqüências. Eles consideram que, no
setor 7, há dificuldades, por ser
o início da região amazônica. A
FAB nega. Segundo sargentos
ouvidos, a prática era escolher
freqüências que, no dia e no local, estivessem "melhores".
Os pilotos não sabiam do
problema com a freqüência
que usavam. A caixa-preta
mostra que falas de rádio em
português eram ouvidas, indicando falsa normalidade, já que
eles não podiam ser ouvidos.
Ainda assim, Jan Paladino
diz ter percebido que ficaram
muito tempo sem falar. Daí, fez
12 chamadas para Brasília, entre as 16h48 e as 16h52. Ao menos três foram nas freqüências
123,30 MHz e 133,05 MHz pois
o Cindacta-1 conseguiu degravá-las, ainda que o controlador
não as tenha ouvido na hora.
Tentativas feitas na freqüência
128,00 Mhz não deixariam rastro, já que não funcionava.
Às 16h53, tudo indica que o
jato estava sintonizado na
135,90 Mhz, porque escuta a
última chamada, "às cegas", de
Brasília. Responde imediatamente, mas na transcrição o
Cindacta registra: "N600XL
não contesta". N600XL é o código do jato. Mesmo sem anotar direito as instruções, o piloto diz que entendeu e tentou a
combinação correta para Manaus, 126,45 MHz, entre outras
tentativas -sem resposta. Às
16h56, colidem com o Boeing
da Gol, e 154 pessoas morrem.
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: Gravação mostra nervosismo de controladores Índice
|