São Paulo, quinta-feira, 15 de outubro de 2009

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Mostra revela que até bebê foi usado para vender cigarros

Publicidade dos anos 1920 aos 1950 traz de Papai Noel a médicos para convencer consumidor

As 63 reproduções de campanhas veiculadas nos Estados Unidos ficam em cartaz até dia 26 na livraria Cultura do Conjunto Nacional


GUGU, DADÁ, MAMÃE VAI FUMAR
Bebê fala do prazer da mãe. Ela explica: "Você nunca sente que fumou demais. É o milagre de Marlboro"


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Papai Noel mandava você fumar. Médicos diziam que, se você não consegue parar, então o melhor a fazer é usar Marlboro. Dentistas pregavam que o negócio para evitar dentes amarelos eram os cigarros com filtro. Até bebês de colo eram convocados para as campanhas: "Nossa mamãe, você gosta mesmo do seu Marlboro". Ao que a mãe explicava: "Sim, você nunca sente que fumou demais. É o milagre do Marlboro!".
Bem-vindo ao mundo aparentemente insano da publicidade de cigarro. Ele é o tema de uma mostra que abre hoje em São Paulo, na livraria Cultura do Conjunto Nacional, com um título que já entrega tudo: "Propaganda de Cigarro. Como a Indústria Enganou Você". A exposição fica em cartaz até o dia 26.
São 63 reproduções de campanhas veiculadas na imprensa e na TV nos EUA, entre 1920 e 1950. Foram coletadas por dois professores da Universidade Stanford: Robert Jackler (médico) e Robert Proctor (historiador da ciência).
É um mundo só aparentemente insano porque tudo ali foi planejado, disse Jackler à Folha. Nos anos 50, bebês, Papai Noel e noivas eram usados para que o cigarro não fosse visto como coisa de desclassificado, como a indústria temia, mas como um dado do cotidiano.
"A estratégia era fazer do cigarro um elemento essencial do cotidiano: do trabalho, dos jogos, da amizade, das férias e, especialmente, do amor."
Na década de 50, a indústria tinha duas tarefas de Hércules: transformar o cigarro em algo banal como um doce e responder às pesquisas científicas que demonstravam o efeito cancerígeno do fumo. O plano foi fazer de conta que as evidências de que o cigarro vicia e mata não estavam comprovadas.
A primeira peça dessa estratégia é um anúncio publicado em 4 janeiro de 1954 sob o título "Uma declaração franca aos fumantes". Saiu em cerca de 400 jornais e dizia que a indústria revelaria tudo o que soubesse sobre fumo e saúde.
A peça, que está na exposição, já trazia uma mentira -pelo menos desde 1950 a indústria já sabia que fumo causava câncer e só foi admitir isso quatro décadas depois.
Jackler afirma que não se trata de uma mentirinha branda, comum no mundo publicitário, já que milhões de pessoas morreram por causa dessa estratégia. "Em vez de demonstrar preocupação com a saúde do consumidor, a indústria simplesmente criou o mito de que o cigarro é seguro e pode inclusive melhorar a saúde."
A exposição é repleta de amostras de anúncios sobre os benefícios do cigarro à saúde. Uma propaganda de Lucky Strike afirma: "20.679 médicos dizem que Luckies é menos irritante", referindo-se à garganta. Outra peça, do Camels, apregoa: "Mais médicos fumam Camel do que qualquer outra marca".
O levantamento do Camels foi feito num congresso em que o fabricante distribuiu maços na porta de entrada e perguntava na saída "que cigarro você tem no bolso?", segundo a curadora brasileira da mostra, Bia Pereira. A exposição é uma iniciativa da agência Nova/SB, que cria anúncios contra o fumo para a Organização Mundial de Saúde.
Os médicos que aparecem nos anúncios são, em sua maioria, atores, mas Jackler não poupa seus pares. O apoio dos médicos foi conseguido, segundo ele, com injeção de dinheiro nas entidades de classe. O caso mais famoso é o da Associação Médica Americana, que hoje lidera as campanhas contra o fumo: nos anos 50 o jornal da entidade trazia anúncios em que os médicos pregavam os benefícios do cigarro para a saúde.
Para quem acha que tudo isso é coisa do passado, Jackler tem uma resposta na ponta da língua: a indústria do cigarro faz a mesma coisa até hoje.


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