São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

PERFIL ANA PAULA RODRIGUES, 36

Trabalho de campo

Professora em escola de favela do Rio `caça' alunos faltosos e encontra no vínculo com as famílias uma maneira de reduzir evasão

ANTÔNIO GOIS

DO RIO

Ana Paula Rodrigues, 36, sabia que não seria fácil quando aceitou neste ano o desafio de assumir uma turma de alunos repetentes crônicos, muitos à beira da evasão e com graves problemas de indisciplina. Só não imaginava que os primeiros meses fossem tão difíceis.
Ela logo percebeu que a violência que caracteriza o entorno da Escola Municipal Albedarã, na zona oeste do Rio, também se manifestaria em sala. Quase todos os seus alunos, entre 14 e 16 anos, moram na favela de Antares, dominada pelo tráfico.
"Ouvia que iria tomar tiro na cara, me mandavam para tudo quanto é lugar. Mas sentia mais angústia do que medo. Eu tinha que chegar aos alunos, mas não estava conseguindo", conta Ana Paula.
Ela tentou se aproximar dos pais, mas viu que não era simples. Poucos compareciam às reuniões na escola e seus números de telefone mudavam constantemente.
O tempo passava, e cresciam os registros de falta em seu diário. Ao menos 8 dos 23 alunos estavam em vias de abandonar os estudos.
Foi quando ela decidiu ir pessoalmente à casa dos estudantes, um a um, e conversar com os pais, a começar pelos faltosos. Para andar na favela e achar as casas, pediu ajuda aos alunos.

EXPLICAÇÃO
Ela conta que o trabalho está servindo não apenas para trazer os faltosos de volta, mas, também, para entender por que os mais indisciplinados se comportam assim.
"Tinha que ter uma explicação. Eles não são malucos. Aquela realidade não justifica o comportamento violento, mas explica muita coisa."
Ana Paula sabia que era preciso criar vínculos com as famílias, e trabalhar a autoestima das crianças. Percebeu de início que alguns pais resistiam a receber sua visita. Descobriu que tinham, na verdade, vergonha de recebê-la em suas casas.

CADASTRO
Ana Paula afirma que um dos casos que mais a impressionou foi o de um aluno cujo cadastro do endereço na ficha escolar registrava que ele vivia no "Beco da Merda".
É assim que os próprios moradores se referem a uma área da favela com esgoto a céu aberto.
Aos poucos, foi vencendo resistências. Levava sempre uma máquina fotográfica para registrar as visitas. Passou a ter um cadastro atualizado dos telefones e a saber o endereço de cada aluno.
Num dos casos, não se deu por satisfeita após falar somente com a avó. Queria achar os pais onde estivessem, e foi até uma cracolândia. Ali, no entanto, entendeu seus limites.
"Tentei conversar, mas eles não falavam coisa com coisa. Achei que mesmo naquele caso eu podia fazer alguma coisa, mas não posso."

RESULTADOS
Ana Paula sabe que ainda há muito trabalho a ser feito, mas alguns resultados já começam a aparecer. Dos oito alunos cronicamente faltosos do início do ano, seis voltaram a frequentar as aulas.
Após ter diminuído a evasão, sua próxima meta é melhorar a aprendizagem. Ela ainda tem que lidar diariamente com atos de indisciplina, mas eles diminuíram e ficaram menos violentos.
No momento em que a reportagem da Folha chegava à porta de sua sala de aula, no segundo andar da escola municipal, Ana Paula advertia um dos alunos que, já de mochila, se preparava para descer os degraus em direção à saída antes do horário.
"Vou ligar para a sua mãe" foi a frase que fez o adolescente, cabisbaixo, obedecer e voltar para seu lugar.
"Não se assuste", disse ela ao repórter. "É todo dia assim. É fácil trabalhar com o aluno que quer estar em sala de aula. Difícil é resgatar aquele que não quer."


Texto Anterior: Para professores, projeto rompe lógica anterior
Próximo Texto: Frases
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.