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GILBERTO DIMENSTEIN
Vestibular de trouxa
Uma das melhores faculdades
de administração dos Estados
Unidos se inspirou no misticismo
indiano para ajudar seus alunos
a prosperar no emprego.
Em Stanford, os alunos candidatos a gerir grandes empresas e
a comandar Wall Street são submetidos a programas de meditação para desenvolver dons como
a intuição.
Em silêncio, numa sala iluminada com velas, exalando incenso, com música zen, eles viajam à
procura de uma espécie de fonte
interior de criatividade.
Em pouco tempo, esse exótico
curso virou atração, disputado
pelos universitários, convencidos
de que sensibilidade e flexibilidade são ingredientes vitais do profissional do futuro.
O interesse tem um motivo bem
terreno: os sinais do mercado de
trabalho.
Uma das razões do avanço profissional das mulheres nos Estados Unidos é porque os departamentos de recursos humanos se
encantaram com supostas características femininas como a intuição -um mecanismo de apreensão do conhecimento comprovado cientificamente, que, em síntese, significa aquele estalo mental
que indica a solução.
Até pouco tempo atrás, imaginava-se que, lidando bem com os
conteúdos acadêmicos, o indivíduo teria chance razoável de conseguir e manter um bom emprego.
Era o tempo em que a imagem
inteligência estava basicamente
restrita a quem aparecesse com
idéias sofisticadas e criativas,
exibindo raciocínio rápido.
Estimulando o trabalho em grupo e a liderança, as empresas começaram a respeitar a inteligência emocional -a capacidade de
administrar as próprias emoções
e resolver conflitos sem se descabelar.
Intuição, sensibilidade ou inteligência emocional são dicas sobre a revolução no mundo do trabalho.
E mostra como ainda estamos
defasados -é como se produzíssemos carruagens depois da invenção do automóvel.
Nada mais simbólico desse
atraso, no Brasil, do que a cruel
obrigatoriedade para um adolescente decidir o que vai cursar,
ameaçado pelo vestibular, terror
dos finais de ano.
Vende-se a impressão de que, ultrapassado o vestibular, ingressando numa "boa" faculdade, as
portas da felicidade estarão abertas.
É conversa para pegar trouxa.
Óbvio que uma faculdade de
qualidade ajuda. Mas é apenas
um degrau.
A formação depende, de fato, de
reciclagens permanentes e a nutrição de uma série de habilidades. Entre elas, a flexibilidade para se adaptar a velozes mudanças.
Muitas vezes, o que parece um
aluno indisciplinado (geralmente
punido) é um indivíduo que,
criativo, gosta de desafios e não
se acomoda com a modorra da
sala de aula.
Se tiver a sorte de uma base
cultural, transmitida pela família, rapidamente recupera o tempo perdido: o mercado diz que
está disposto a premiar esse indisciplinado.
Basta ver o currículo escolar
dos inovadores da era da informação dos Estados Unidos. Nada
comparável ao brilho em suas
profissões; a começar por Bill Gates.
Apesar de todos os avanços, assistimos aqui à produção de, digamos, trouxas educacionais.
São ensinados ainda a serem
fazedores de testes e acreditam
que terão futuro brilhante. Bobagem.
Para piorar, o adolescente entra na faculdade sem saber o que
exatamente quer fazer, com pouquíssima noção sobre as profissões do futuro.
Repito uma obviedade: as pessoas só fazem bem aquilo que
gostam de fazer. Sem descobrir a
vocação, é altíssimo o risco de
fracasso e mediocridade.
Talvez esteja ficando velho,
mas desconfio profundamente de
que quase ninguém sabe qual
profissão deseja com 16 anos de
idade.
Mas a sociedade e os pais
aplaudem quem pulou o obstáculo do vestibular. Mesmo que o
salto seja no escuro.
No final do ano, as escolas divulgam seu histórico de sucesso para
conquistar novas matrículas.
Ou seja, quantos alunos colocaram nas faculdades.
Proponho, aqui, a divulgação
da verdade: passados dez anos,
informar quantos concluíram o
curso em que entraram.
Mais importante, quantos estão
empregados e, mais importante
ainda, bem empregados.
Aí se separa, de fato, quem prepara cidadão e quem engana
trouxas.
PS - Preparei uma pasta de artigos para quem tem interesse sobre a intuição e as novas demandas profissionais.
Os textos podem ser acessados
pelo Universo Online, no endereço www.aprendiz.com.br/
E-mail: gdimen@uol.com.br
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