São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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GILBERTO DIMENSTEIN

Quanto custa seu filho?

Um dos maiores disparates sociais brasileiros, divulgado na semana passada, custa R$ 7.000 por mês. Poucas cifras revelam com tanta precisão o desperdício de recursos públicos -e o perigo das ruas.
Um estudo da Secretaria Nacional de Direitos Humanos informou que o custo para manter uma criança ou adolescente infrator internado chega, em alguns Estados, até a R$ 7.000 mensais. Essa quantia seria suficiente para manter um jovem em uma escola de elite suíça.
O gasto médio no país, de acordo com o estudo, é de R$ 4.000, aproximadamente quatro vezes o valor de uma mensalidade nas melhores escolas de ensino médio do Brasil. Dinheiro que, muitas vezes, é jogado fora. A taxa de reincidência é alta e, pior, frequentemente a internação serve de estágio de aperfeiçoamento "profissional" no crime.
Um dispêndio de R$ 7.000 é muito alto? A verdade dura de dizer e incômoda de ouvir é que ainda é pouco para recuperar um jovem contaminado pela delinquência.
Faça as contas.
Pais de classe média alta sabem como sai caro tratar corretamente um filho com dificuldade de aprendizado, mesmo suave: além de mensalidade escolar, exigem-se professores particulares, psicólogos ou psicopedagogos. Levando em conta todas as despesas educacionais -incluindo, por exemplo, material didático, livros, aulas de inglês-, o gasto final ultrapassa R$ 3.000 mensais.
Se o adolescente tiver associados à deficiência de aprendizado problemas de depressão ou decorrentes do consumo de drogas, demandando uma terapia mais intensa, o dispêndio facilmente atingirá os R$ 4.000.
Existem mais valores embutidos nessa soma. Crianças e adolescentes de classe média desfrutam de museus, teatros, cinemas, livros, exposições, o que, obviamente, não é de graça. Há também um valor inestimável e, claro, um dos mais importantes: o apoio da família, que os ajuda a desenvolver um projeto de vida.
Imagine, então, a dificuldade de recuperar um jovem de baixa escolaridade, contaminado pelas drogas, filho de uma família desestruturada, que vive em comunidades onde os traficantes são heróis e os policiais são corruptos e onde, além disso, impera o desemprego.
Vivemos numa sociedade que já começa a exigir de faxineiros um diploma de segundo grau (e sem exagero) e que, ao mesmo tempo, oferece a um professor universitário em início de carreira menos de R$ 3.000 mensais. Em contrapartida, um iniciante no tráfico consegue faturar, por mês, R$ 1.500 numa favela do Rio de Janeiro ou de São Paulo.
A verdade -que, mais uma vez, quase ninguém gosta de reconhecer- é que, exceções à parte, não existem recursos suficientes para recuperar adequadamente jovens depois de determinado estágio de delinquência, tantos são os focos a serem atacados ao mesmo tempo. A sociedade trata de exterminá-los -seja pelo homicídio, seja pelas doenças- do jeito mais "barato".
Dois dias depois da divulgação do estudo da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, divulgou-se, com mais precisão, o tamanho do problema. Um documento do Unicef informou que, dos 21 milhões de jovens brasileiros de 12 a 17 anos, 8 milhões (38%) vivem em áreas de risco.
Eis a matemática do terror infanto-juvenil: 1,3 milhão de jovens, entre aqueles 8 milhões, são analfabetos ou semi-analfabetos; 3 milhões deles não estão na escola; 2 milhões, que estão na faixa etária de dez a 14 anos, estudam e trabalham; 3,2 milhões, com idades entre 15 e 17 anos, somente trabalham. Aí estão os candidatos a viver na fronteira da irreversibilidade.
O tema da segurança encheu os discursos de campanha nas últimas eleições. Mas, desde a vitória de Lula, fala-se, basicamente, da governabilidade política e econômica, e não da governabilidade das ruas.
Como se viu com mais clareza na semana passada, o interesse está focado em quem adere ao novo governo (e no que ganha para aderir), em quem vai comandar a economia e em quais serão as estratégias macroeconômicas -por aí, e não pelos discursos, é que se mede a prioridade da elite. Vigora a antiga lógica de que o econômico está acima do social.
Até agora não se acenou com uma só proposta para evitar que um adolescente custe aos cofres públicos R$ 7.000 por mês, não seja recuperado e ainda se torne mais ameaçador.
P.S. - Virou esporte nacional na elite intelectual ironizar Lula, comparando o que ele defendia e o que está fazendo. Melhor ele ser incoerente com o passado, mas coerente com um futuro de estabilidade, para evitar uma tragédia. Ainda desconfio, e muito, da capacidade de Lula de resistir às pressões sociais, de administrar conflitos e de operar a máquina governamental. Mas merece registro que, até aqui, ele vem desarmando habilmente os espíritos. A sorte dele é não haver na oposição algo parecido com o PT.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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